sexta-feira, fevereiro 24, 2006

Memórias do século passado

Nos anos cinquenta, as malhadas eram feitas por homens, munidos de utensílios fortes e material seguro. Assim era possível concretizar um trabalho que era mesmo muito duro.

Esses utensílios eram os manguais,
eram compostos por peças únicas,
todas elas desiguais.

Essas peças eram: a casula, o pírtago, a meã, o enchedeiro e a mangueira.
Eram peças resistentes que duravam uma vida inteira.
A casula, era feita de corno de cabra não fendido, a meã e o enchedeiro,
feitos de coiro de vaca cortido e a mangueira de pau de sabugueiro.
Por ser leve e movediço, o pírtago era feito de pau de carvalhiço.

As malhadas faziam-se no verão em dias de calor,
eram feitas por homens com força e vigor.
Chegado o dia da malhada, o cereal era estendido no chão,
em covelas feitas com perfeição.

Eram quase sempre 10 ou 12 homens fazendo fila metade de cada lado,
batiam os manguais com força fazendo um som ritmado.
Com som ritmado e sem cansaço,
eram homens de barba rija, duros que nem aço.

Por vezes faziam despique, para ver quem estoirava mais,
os homens tinham vaidade em manobrar os manguais.
Tinham grande orgulho em levantar o pírtago,
aqueles que não conseguiam ficavam embaraçados, é que mais tarde,
pelas raparigas, iriam ser gozados.

Era um trabalho que puxava muito pelo peito,
requeria muita força e também bastante jeito.
Os malhadores eram acompanhados por uma mulher - A mulher da eira .
Esta ia virando a palha e segurava o molho mesmo na beira.
Ia sempre bem trajada pois era a rainha da malhada.

Depois da primeira eirada, um dos homens vinha ao fundo da eira,
subindo ao penedo gritavam às mulheres: eiiiiiiiiiiiiira - venham ajudar!
Este grito apelava às mulheres para que viessem a palha retirar .

Ouvia-se: Vamos lá! hoje é para o Zé do Casal; ele em troca empresta as vacas para fazer o nabal.

Apareciam então as mulheres,
que tiravam a palha e juntavam o grão,
ajudadas pela canalhada,
que vinham por uma côdea de pão.

A meio da manhã, davam sopas de vinho, salpicão da língua, uma boa pinga e broa de milho. Nestes dias todos tinham vaidade em servir bem.

Em casa de lavradores mais abastados,
matavam um cordeiro para o jantar,
pois nestes dias, nada podia faltar.

Trabalhavam todo o dia, com o mesmo entusiasmo e alegria.
Não havia oito horas de trabalho como hoje é de lei,
trabalhavam de sol a sol, onde o patrão era rei.

A limpeza era feita de noite,
para isso faziam-se alguns serões
e não faltavam pretendentes,
para ganhar uns cinco tostões.

Esse trabalho, era feito por um homem de braço seguro,
para se separar a moínha e ficar o trigo puro.
Era feito pela madrugada porque a brisa era mais certinha
e assim o vento fugia, levando consigo a moínha.

Era uma tarefa morosa, feita com grande dedicação,
pois era deste cereal que se ia fazer o pão,
onde uns comiam à fartura,
e outros apenas por ração.

Para fazer a limpeza do cereal,
tinham uma pá de limpar,
feita de madeira leve,
para o limpador não cansar.

Passavam-lhe pelas mãos muitos quilos de cereal ou até toneladas,
no final as suas mãos,
ficavam todas calejadas.

Nessa época não se andava acima e abaixo à procura de um bom tacho, comiam do suor do rosto, trabalhavam de madrugada ao sol posto.

Glossário
Casula- corno de cabra no malho onde trabalhava a meã.
Pírtago- Vara mais curta do mangual
Meã- anilha de coiro que une o pírtigo à mangueira.
Enchedeiro- tira do coiro que liga o pírtigo do mangual
à mangueira.
Mangueira- Pau mais comprido do mangual.
Carvalhiço- Carvalho anão.
Moínha- Fragmentos de palha, alimpadura dos cereais.

Lucilia Alves

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