quinta-feira, março 09, 2006

Grito - Ressuscitem os moinhos (por Zé Macário)



Tentei várias vezes contrariar a tendência que hoje impele a minha caneta a falar sobre os moinhos do rio Balsemão, tendo no entanto o impulso levado a melhor sobre a sua contradição. Sempre que vou à Póvoa com alguns dias, entretenho parte deles em passeios pelos montes, pelos rios e riachos, e em visitas instintivamente guiadas a algumas memórias de infância e juventude. Assisto assim com alguma nostalgia ao definhar e morrer de algumas aldeias – caso das Antas de Mazes, Travasso, Azibal…- e também à constante degradação dos vestígios de moinhos de vários riachos, lembrando muito especialmente, por alguma afectividade infantil, os do rio Balsemão. E agora que ao falar disto, me estão a chegar desvanecidas, longínquas e doces lembranças, deixem-me que por momentos, só no parágrafo seguinte, entre em delírio, embalado imaginariamente pela voz do nosso saudoso Tony de Matos na sua canção de “Oh tempo volta p’ra trás”, para logo de seguida, num doce “acordar”, dar continuidade e fim ao texto que me propus: - Vasculhe-se, e transporte-se no tempo a idílica figura da moleirinha enfarinhada e sempre linda no seu corpo e no seu trajar – a quem tantas vezes roubei a alma, só a alma, para tecer e saborear suaves “teias de algodão doce” em longos convívios secretos, na volúpia mental e imaginária dos elementos que caldeiam as fusões – com seu paciente burrico carregado com castelos de taleigas, tagarelando embebecida em namoricos sem tempo, que o tempo teima em apagar, e cuja captação de beleza pictórica, seria impossível à mão de um Almada; vasculhem-se e transportem-se no tempo memorial, as desculpas dos moleiros pelo atraso na entrega das taleigas, com a escassez de água ou com a ruptura das levadas, pelo excesso da mesma. Não sei qual o estado de funcionamento ou mesmo de conservação dos moinhos abaixo de Lamelas, sabendo no entanto que acima de Lamelas e até Reconcos, há várias dezenas de vestígios de moinhos em vias de desaparecimento total, e dessas dezenas, três unidades em funcionamento no Sardinho, mercê da carolice de alguém – por acaso um senhor advogado, que faz o favor de ser meu amigo. Senhor Presidente da Câmara de Lamego, considero um “crime” histórico e cultural deixar que esses vestígios acabem de desaparecer; se não puder fazer algo pela sua recuperação como atracção turística, faça pelo menos qualquer coisa pelo inventário da sua existência. Andam hoje por vários pontos do país – e pelo mundo – equipas de arqueologia, escavando e peneirando terra, tentando descortinar, numa procura frenética, a remota presença do homem e das suas formas de vida. Foram demasiado sacrificadas, para que possam ser esquecidas, a construção dos moinhos, açudes e levadas, assim como as formas de vida à sua volta constituídas, em sítios quase inacessíveis, onde, por vezes, é impossível o simples equilíbrio de um burro, e talvez só possíveis de animada descrição pela pena de um Torga. Se a Oeste do país, todos os autarcas se empenharam – com notável êxito para o turismo, e com composição de inexcedível beleza bucólica das paisagens – na reconstrução dos moinhos de vento, porque não aproveitamos nós e para o mesmo fim, a reconstrução dos nossos moinhos de água? Dizem-me amigos meus, muito mais viajados do que eu, que na Holanda, por exemplo, se aproveitam exclusivamente com fins turísticos – e mais uma vez com assinalável êxito – os moinhos de vento que noutros tempos serviram para irrigar o território, elevando a água dos pontos baixos para os de maior altitude, e que agora, mercê do desenvolvimento tecnológico, deixaram de ter tal valia. Não vou lembrar-vos o êxito e deslumbramento dos passeios turísticos pelas levadas da Madeira, por ter dúvidas quanto à sua comparação, no entanto deixo a pergunta, de quanto valerão ou terão valido como contributo para o desenvolvimento daquele território? Sim. Senhores autarcas, ressuscitem os nossos moinhos de água e construam com eles cartazes turísticos regionais, porque o povo gosta e compra caro, tudo aquilo de que o ensinarem a gostar; e é suposto que vós - eleitos entre os melhores, quero ainda supor – que vos propondes através das autarquias dirigir os desígnios do povo, sejais espíritos cultos, clarividentes, e activos. Mostrai-nos que assim é. Entretanto em Agosto e integrado nas festas da Nossa Senhora do Pranto, iremos tentar promover um pedi-paper com visita exploratória a alguns dos ditos moinhos, para que os nossos jovens adquiram algum conhecimento sobre aquelas peças históricas, antes que seja tarde demais. A vossa participação neste evento será para nós uma honra, senhores presidente da câmara de Lamego e das juntas de freguesia locais; e acreditamos que, para além da diversão lúdica e desportiva, possamos sair daí todos mais enriquecidos.

terça-feira, março 07, 2006

Ouvi um dia contar...

Ouvi um dia contar
Não me lembro do lugar,
uma lenda ancestral
Típica e original
Passada pelos antigos
À família e aos amigos
Em conversas animadas,
Em serões e desfolhadas.
Conta-se que cinco sinos falaram
E entre eles repicaram,
sinais
nada habituais
Empreendendo diálogos
Em tudo análogos
A troça e sarcasmos
Muito pouco amistosos,
Todos eles de vizinhos povos.
Tratando-se de adversários,
Aparentemente em coisas contrários,
Boa coisa não diriam!...
Ora vamos então ver,
se outra coisa poderia ser…
Sino de Quintela - Meu pai morreu ontem! Meu pai morreu ontem!
Sino de Juvandes – Que te deixou? Que te deixou?
Sino de Melcões – colcha velha, colcha velha,
Sino de Meijinhos – Mas tem lêndias… mas tem lêndias…
Sino da Póvoa – Se as tem tira-lhas!... Se as tem tira-lhas!...
E agora digam lá
De que forma hoje comunicará
o nosso sino com os restantes?
Não haverá motivos bastantes?!
Perderia a autoridade
Com a velhice, com a idade?!...


Celeste Gonçalinho de Oliveira Duarte

segunda-feira, março 06, 2006

Cores e sons da minha aldeia

Debaixo daquele céu de azul pintado
Tão sabiamente decorado
De estrelas ornamentais
E de outros corpos celestes ancestrais
De brilho imenso
E intenso,
Correm cristalinas águas puras
Boleando fragas duras,
Que contam velhas máguas,
Da nossa antiga gente
Irremediavelmente ausente.
Murmuram suas dores,
E falam de seus amores,
Revelam segredos bem guardados
A silêncios forçados,
Num canto cadenciado
Verdadeiramente emocionado.
Naquele solo outrora produtivo
Hoje porém esquecido
Nascem humildes violetas
Coloridas com o roxo do martírio
E também o singular lírio
Um dia ali plantado
Mas agora abandonado.
Florescem de branco e amarelo as giestas,
Tornando-se para os sentidos verdadeiras festas,
Combinações de imagens
espontâneas e selvagens.
Crescem
E amadurecem
Saborosas cerejas,
De vermelho escuro pintadas
E aos pares penduradas,
Em velhas cerejeiras
Plantadas em quintais e lameiras.
Sob o mesmo céu bendito,
Que se estende ao infinito,
Formam-se gotas de orvalho,
Que a noite trás consigo,
Sendo delicado abrigo
Para o verde de vários tons,
Tão variado como os inúmeros sons,
Constituindo complexa linguagem,
Que mais não é que uma abordagem,
Ao murmúrio da água da fonte,
Ao fustigar do vento no monte,
Ao barulho das rãs nos charcos a coaxar,
Aos chilreios dos pássaros no ar,
À lamúria do lume a arder na lareira,
E ao tilintar da enxada na lameira.
Escurecem de fuligem as varas nos caniços,
Tornam-se castanhos os ouriços,
Cinzentos são os penedos as paredes das casas e rochedos,
Dourado fica o grão nos trigais
O milho nos milheirais,
A noite dorme tranquila
Em sua escuridão envolvida
E prateada
Fica a fresca madrugada!...


Celeste Gonçalinho de Oliveira Duarte

A chegada da energia eléctrica à Póvoa

Parece mentira,
Que eu alguma vez vira
A chegada à Póvoa da electricidade,
Mas é uma realidade;
Na verdade vi,
Não me lembro porém, o que senti;
O que recordo agora,
Era a minha correria
Pela porta fora
Para ver se no chão via
Cobre em pequenos pedaços
Dos quais anéis fazia
E pulseiras para os braços.
Lembro-me perfeitamente,
Do pasmo evidente
Em cada rosto estampado
incrédulo e intrigado
Perante coisa tal;
Algo absolutamente abismal
Para quem a energia
estranha coisa seria.
O que me causava estranheza
Isso recordo com certeza,
Era ver nos postes empoleirados,
Aqueles homens destemidos
Demasiado atarefados
Puxando cabos imensamente compridos.
Mas o que jamais se suspeitava
Era que a tecnologia que ali chegava,
Muita coisa mudaria
E se tornaria
num grande acontecimento
para o povo, um verdadeiro melhoramento.
Depois foi só admirar
Nas noites sem luar
aquela magia
Que transformava a noite em dia
O escuro em luminosidade
A penumbra em claridade!...
Então pensei cá para mim:
uma coisa assim
é digna de registar
e louvar,
os que trabalharam
e para tal se empenharam
pois a sua utilidade
não é aparência
é hoje uma realidade,
uma evidência!.

Celeste Gonçalinho De Oliveira Duarte

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Iniciado em 2005, este blogue cumpriu em parte, aquilo para que tinha sido inicialmente projetado. Com o decorrer do tempo e tal como n...