quarta-feira, fevereiro 22, 2006

Saudade (por Fernanda Gonçalves)

Saudade Tinha 25 anos, chamava-se Artur, era a alegria em pessoa, simples, de uma simpatia, que só ele sabia transmitir, amigo do amigo, sempre pronto a ajudar quem dele precisava. Era a alegria dos sobrinhos, sobretudo a minha, a quem, em todas as tardes frias ou quentes, dava o seu apoio, o seu carinho, brincava e aturava, como só ele o sabia fazer. Àquela hora, dia após dia, contava os minutos que faltavam para a sua chegada, esperava pela sua voz, pelo seu chamamento, pelo “tempo” da brincadeira… Feliz, junto à soleira da porta, perguntava: - Há ceia, p`ra mim? Com a melhor fatiota que possuía, de passos vagarosos, lá estava ele, esbelto e sorridente à espera que me atirasse a seus braços, como uma pluma esvoaçante. Saltitando lá ia eu, olhando, embevecida e feliz, corria a procurar uma gulodice na algibeira, uma corrida às cavalitas, uma história, uma cantiga ou simplesmente um olá de boas vindas, para a sua menina como ele dizia… Era só pedir e, os meus desejos eram satisfeitos, para admiração de todos. Também ele dizia que não conseguia dormir, nem se sentia bem se não brincasse comigo e com o Macário, todos os dias. Nós éramos a flor dos seus olhos, assim como ele para nós era a alegria das nossas vidas. Um dia, tiraram-me essa alegria de viver. Essa voz, não voltou a chamar-me. Esperei, não esqueci o ritual. Ficou a ilusão e a mágoa, que ainda hoje, após tantos anos, ainda subsiste e teima em me atormentar, sem conseguir apagar. Como tão depressa me roubaram aquele sorriso meigo e doce, o aconchego daquele regaço, as gargalhadas contagiantes… Uma passagem sorrateira pela taberna, para cumprimentar os amigos, a quem ele chamava amigos… e, contar as novidades de mais um dia de feira, terminou com a minha alegria e de toda a família. Maldito o dia em que uma taberna aberta serviu de palco para a maior tragédia algum dia visto naquela terra. Terra de gente calma e serena, que no crepúsculo da noite fez a sua mais triste história. Trouxe-me angústia, dor e muita lágrima derramada. Aprendi a olhar para as estrelas e procurar o seu rosto, na mais luminosa de todas… sentia-a como que a olhar para mim e a velar pela minha meninice, como ninguém o sabia fazer, procurei a rota do seu voo interminável, mistério da minha imaginação. Hoje, com muita saudade e um tremendo vazio, tenho as suas histórias, as suas brincadeiras e os seus ensinamentos puros da vida, gravados, no meu coração. Não repudio quem o tirou do local do crime e procurou de uma forma ou outra dissimular os acontecimentos, para não ser também incriminado, porque, no auge do acontecimento, como reagiria cada um de nós? Mas, não esqueço os acontecimentos… fica a tristeza, a lembrança. Fica a minha homenagem àquele que para mim foi o mais puro dos homens. A sua arte de entreter não a aprendi, porque essa, nasceu e morreu com ele, mas a sua força sinto-a em todo o meu ser…como arma secreta em permanente alerta, nas tardes de nostalgia.

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