quinta-feira, abril 19, 2007

A tainha ( por Zé Macário)

Ainda na minha geração, o estuário do Tejo era habitado por uma fauna bastante rica, e não há muitos anos ainda, havia aqui dois golfinhos que exibindo as suas brincadeiras, faziam as delícias dos passageiros dos cacilheiros, e dos turistas que em travessias de e para a outra banda, demandavam o mar da palha. Quer por motivos de morada, quer por motivos profissionais, estes golfinhos tornaram agradáveis muitos, muitos dos meus dias.
Hoje porém, e não obstante a despoluição a que já foi sujeito este estuário, ele é habitado quase só por tainhas – peixe de águas pouco profundas – e que vivem à babugem de todos os resíduos que flutuam no cimo das águas. Lindo, lindo, este peixe!
Ninguém pense porém comê-lo, porque a sua frescura e beleza nos enganam. Seja qual for a forma de o cozinhar, têm sempre um intenso sabor a petróleo, próprio aliás das águas em que só esta espécie consegue sobreviver e multiplicar-se.
Já há bastantes anos atrás, estando a trabalhar a bordo de um navio Japonês, atracado ao cais da Fundição ( Santa Apolónia) observei a cena que a seguir descrevo:
- Tendo uma maré cheia levado grande quantidade de água para dentro dos esgotos da cidade, dois marinheiros daquele navio, colocaram grandes redes num bocal desses esgotos, que na maré vazante, e com o retorno das águas, se encheram, cheiinhas, de tainhas lindas e frescas, capturadas portanto no regresso de uma visita às sanitas de muitos lares da baixa Lisboeta; Foi esta, uma pescaria maior, muito maior do que a tal do São Pedro que nos é relatada pelo evangelho.
Continuavam lindas aquelas tainhas, não obstante a viagem que acabavam de fazer sem qualquer escafandro.
Parece-me que também a degradação ou alteração dos valores reguladores da nossa vida colectiva, estão a empestar de tal forma o ambiente que, a breve trecho só conseguirá sobreviver nele uma espécie sub-humana sem coluna vertebral. Sucedem-se quotidianamente denúncias de pedofilia, de abuso sexual de menores, de corrupção, de tráfico humano, eu sei lá…
Aparecem vulgarmente autarcas e outros políticos e governantes constituídos arguidos por peculato ou outra qualquer forma de apropriação ilícita de fundos…
Há insinuações de grande promiscuidade entre universidades privadas e governantes, usurpação de títulos académicos, leccionação por professores inabilitados para tal…
Tudo isto descredibiliza pessoas e instituições.
Há assaltos a bancos, carrinhas de transportes de valores, gasolineiras etc, e começam a ser já muitas as agressões às autoridades policiais, e assassínios por dá cá aquela palha, ou por meia dúzia de tostões…
Os professores perderam a autoridade e são agredidos fisicamente dia a dia, pelos alunos que, parece serem apoiados muitas vezes pelos próprios pais. As famílias honradas começam a ter dúvidas sobre os valores em que devem educar os seus filhos, para não os sujeitar a viver vassalagens sob malfeitores…
Antigamente os facínoras eram representados na tela, com caras muito feias, desgrenhados e andrajosos.
Se hoje fossem representados, teria de ser por nédios, bonitões, bem enroupados, engravatados e engomados.
Tal como na velhíssima sociedade espartana, à “ pirataria “ tudo é permitido e incentivado, com a única proibição de que não se seja caçado em flagrante.
A justiça é tardia, infuncional ou inexistente e já não há condenação social – mas antes louvores – pelos maus actos de ninguém, considerando-se até irrelevante que um governante seja verdadeiro ou um compulsivo mentiroso.
Vivemos cada vez mais cercados pela ignomínia, e parece que só ela sobreviverá – tal como a tainha – neste meio, cada vez mais putrefacto.
Não me confesso surpreendido porém, pois percebi que poderia vir a ser assim, quando a seguir ao 25 de Abril verifiquei que poderia vir a ter ao leme deste país, a maioria do tempo, uns ociosos auto proclamados antifascistas, alguns filhos de beneficiários do antigo regime, que, - tal como Dom Quixote – encontraram no combate ao fascismo, a razão de ser das suas vidas, tornando-nos a nós, ao longo destes anos, fiéis escudeiros Sanchos Panças.

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