quinta-feira, abril 12, 2007

A lenda da alcateia

Tem séculos esta história, contando-se puída de repetida, nos serões das longas noites de Inverno à volta da lareira entre as diversas histórias de terror, de lobos, de lobisomens, bruxas e feiticeiras, que embalavam, encantavam e atormentavam a minha meninice:

É da Póvoa o Albino e de Parafita a Carminda, sua conversada, por quem aliás morre de amores…
É tempo de recolha do milho – base de sustentação das gentes deste tempo – e há desfolhadas e debulhas em Parafita.
Na Póvoa, noite alta, e já na cama deitado, debate-se a imaginação de Albino entre o amor ciumento e o medo de atravessar aquela serra árida e solitária, toda povoada de lobos e perigos vários…
Não, não podia deixar que naquela desfolhada a sua Carminda pudesse, longe de si, ser abraçada por um qualquer rapazola cobiçoso e atrevido, que tivesse a dita de encontrar uma espiga de Milho Rei.
Afim de evitar alarmes em família, colocou em seu lugar, na cama, um pequeno molho de canas que, coberto com os lençóis e cobertores, configurava o próprio corpo, garantindo assim a sua presença, fictícia, em casa.
Sorrateiramente cobre o capote, sai de casa e põe-se a caminho de Parafita com o coração ardente de paixão pela sua amada.
Tendo só por companhia as cintilantes estrelas – que nessa noite tinham mais brilho – avança resoluto por ermos e áridos caminhos, assaltado muitas vezes pela visão imaginária de perigosos fantasmas .
Também o padrinho que na Póvoa mora perto de si, é assaltado por pesadelos medonhos, com a visão sonâmbola de um ataque de lobos ao seu afilhado.
Indo alarmado a casa da comadre perguntar pelo afilhado, esta sossega-o com a exibição do vulto das canas que , na cama, parecem o seu Albino. Enquanto isto, Albino avança no caminho a passos largos.
O padrinho não conciliava o sono e o sono não conciliava a sua tranquilidade…
Perante um segundo e um terceiro pesadelo com a visão dos lobos em fúria, o compadre volta a casa da comadre e então descobrem o engodo do molho das canas.
Por esta altura, o Albino irá para lá do cruzeiro do padre Justino, já muito perto das apertadinhas.
Descoberto o engodo, e perante a aflição do padrinho, com toque de sino a rebate, meia Póvoa se levanta e corre solícita no encalço daquele.
Junto ao cruzeiro de Parafita, Albino é atacado por sete lobos esfomeados… luta enquanto pode, destribuindo sacholadas, para afugentar os bichos…
A caminho e já nas apertadinhas, as pessoas da Póvoa ouvem os gritos e a luta de Albino…
Bem lhe gritam ainda, ânimo! Coragem ! Aguenta-te ! Larga perro! Era porém tarde demais, e quando estes amigos chegaram perto do cruzeiro de Parafita, já Albino tinha sido todo comidinho pela alcateia que, só deixara como vestígios os pés, dentro do cano das botas .
Carminda guardou luto até ao fim da vida, e para ali vinha todos os dias guardar as ovelhas, e, debroçada no penedo junto ao local onde Albino se foi, todos os dias carpia lamentos, que com o tempo, se tornaram numa canção-lamento.
Lá está ainda o penedo, polido, sem musgo, e , garanto-vos, que sempre que ali passo, encosto-lhe o meu ouvido, e é perfeitamente audível aquele dorido e terno lamento.
Também nas águas do rio que ali correm bem perto, e que em tempos testemunharam a tragédia, se ouve em doce múrmurio a bela canção dos amantes, celebrando nupcialmente o seu reencontro no céu.

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