quarta-feira, abril 25, 2007

O primeiro Marquês de Povoalva


Em finais dos anos trinta, chegou a terras D`El-Rei um anónimo cidadão com o fito de aí se fixar e fundar o seu império sentimental. Não se apresentava montado em garanhão de alta escola conduzido por esporas de ouro ou de prata, mas sim a pé, de tamancos coçados e desajeitados. Portanto, nada que fizesse lembrar qualquer personagem dos clássicos da literatura universal. Quando se passeava pelo terceiro dos seus povoados, travou conhecimento com Dona Margueritta, senhora de fino trato, filha do terceiro conde de Gonçalvinhos e da duquesa de D`Oliva. Decorrido algum tempo, depois de alguns contactos e de algumas peripécias pelo meio, o anónimo cidadão lá se enamorou pela dita senhora e adivinhava-se o casamento próximo. Não obstante o título nobilárquico, esta família não era tão abastada quanto isso. Por sua vez, a D. Vasco, assim se chamava o cidadão, nada restava que não fosse um espírito de guerreiro ganho à custa de umas quantas batalhas que havia travado noutras paragens. Tais limitações não seriam, no entanto, impeditivas de satisfazer as duas vontades num enlace matrimonial e disso mesmo deram conhecimento à família da nobre senhora, tendo, de seguida, acontecido o tradicional pedido de mão. Tanto o conde quanto a duquesa deram o seu assentimento, tendo para o efeito, estabelecido que Dona Margueritta receberia, em forma de dote, o empréstimo de uma casa para habitação, um pequeno trem de cozinha, algumas terras de renda e umas quantas alfaias agrícolas. Quanto a D. Vasco, este propôs-se arranjar uns quantos quilos de sementes, das quais constava uma arroba de batatas, promessa de um abastado compadre. Desta forma, deram cumprimento aos seus desejos, iniciando o seu noivado e tendo vindo a casar, uns meses mais tarde, com a bênção do cardeal Cartabranca, primeiro irmão da nubente.
Pareciam, assim, estar reunidas as condições mínimas para se estabelecerem, desenvolverem e serem felizes. Todavia, não tardou que tal cidadão revelasse uma personalidade multifacetada, expressa em atitudes rudes, ar austero e ambições pessoais incontidas, contrastando com o fino trato da senhora, o que originou uma vida de conflito permanente ao ponto de, em momentos vários, este lamentar o facto de não haver consumado algumas das suas antigas paixões: Dona Sujelia, condessa de Quintelais e, mais tarde, D. Viuvelina, prima em segundo grau de D. Margueritta.
Além dos atributos atrás referidos, este “ilustre” cidadão possuía um indisfarçável culto de auto-imagem, alicerçada na aceitação que lhe era dada pela sua expressão fácil, ar generoso e capacidades de intervenção e liderança, tendo-se tornado, até, juiz e conselheiro. Por tal motivo, adquiriu um estatuto tal que, em Assembleia Magna do Povo, lhe foi atribuído o título de primeiro Marquês de Povoalva a que foi acrescido, mais tarde, o de Aquém e Além-Rio e Terras Circunvizinhas. Por essas alturas já se movimentava em elegantes jumentas, encasacadas com o mais fino tecido da Cordoaria Nacional. Para que este suado título se perpetuasse e contrariando todas as tradições da nobreza, delegou no segundo dos seus três filhos a missão de levar a cabo tal tarefa. Para o efeito, tratou de o educar segundo as boas regras e de o proteger de todos os males da natureza: do sol, do frio, da chuva e até das trovoadas. Tal tratamento diferenciado viria a produzir os seus efeitos, tendo sido atribuído a este “principesco” jovem o grau de “Intocável”, pela Academia Superior da Opinião Pública. Entretanto, os dias do marquês iam chegando ao fim e aquilo por que tanto havia lutado ia-se esfumando, numa espécie de neblina matinal que precede um novo dia.
Partiu o marquês e a vida continuou para uns e renasceu para outros, sem títulos ou honrarias, mas com a marca indelével do tempo de outros tempos.
(Sinopse dos capítulos I e V do livro “Venturas e desventuras de um renegado”)
Ass: Anónimo

1 comentário:

JMOV disse...

Meu caro amigo.
Ao convidar-te a participar neste blog não fiz mais que a minha obrigação para com uma pessoa que para além de muito considerar, ver que realmente as tuas faculdades
continuam intactas. Muitos outros foram convidados, mas só aceita quem quer.
Obrigado pela tua participação e parabens pelos teus textos.

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