quinta-feira, janeiro 11, 2007

PERIPÉCIAS


É uma terça-feira de Outubro do ano da graça de 1960.
Levanto-me ao romper da aurora, monjo a cabra Morinha, da qual retiro perto de três cortilhos de leite quentinho. Depois de passado por um coador, retiro uma porção, que migo com uma cabeça de uma sémea e como, como almoço.
Dou um molho de erva à cabra e à burra Russa e jongo as bacas. Trago a Ramalha e a Galante, junto-as, ponho-lhes as cornelheiras, depois as molhelhas e por cima delas o jugo. Aperto o apeiro com duas sôgas e ao centro do jugo coloco o tamoeiro. Feito isto, aponho-as ao carro com um bom chavelhão encaixado entre o jugo e o tamoeiro.
Depois de prantar no carro oito estadulhos curtos, trago a corda, o engaço e o forcado. Lá vou eu ao monte cortar uma carrada de urgueiras e sargaços que me hão-de aquecer no Inverno.
As bacas, não puxando arreiras mas sim direitinhas, em posições bem paralelas à cabeçalha, conhecem o caminho. Assim sendo, sento-me sossegado nas chêdas até chegar ao sítio.
Sete horas da manhã, já no sítio, enquanto as bacas jonguidas comem um bom molho de canas, começo a roçar o mato.
Pelas dez horas aperta-me a larica e, tendo ali à mão uma parva jeitosa, deito-a em cima de um pano com um ritual delicado e, deitado ao lado dela, satisfaço o meu apetite. Refira-se que a parva consta de um queijo de cabra e um bom naco de broa.
De seguida vão passando por ali carreiros e almocreves serranos, carregando mostos e vinhos, que me vão saciando a sede através de ancoretas ou bebendo directamente dos ôdres ou ainda dos tubos de cana colocados no cimo das pipas.
Janto quando o relógio de Magueija bate as doze badaladas do meio-dia.
Pelas duas da tarde tenho carga e volto para casa com uma boa carrada. Porém a meio caminho, começou a sair fumo entre as treitoiras e o eixo do carro. Valeu-me esfregar-lhe um bocado de unto que me sobrara do almoço – só por milagre não se incendiara toda a carga.
Chegado a casa, retemperei-me com um óptimo prato de milhos e uma falacha.
Para finalizar o dia, ainda fui pastorear o gado e, pegando em dois vencilhos e um engacinho, juntei um rico molho de cisco nas Tareijas.



Ass: Tonho D'Adélia

1 comentário:

Anónimo disse...

A história de um povo não se constrói apenas com os seus grandes feitos. Ela afirma-se também, através das coisas simples e genuínas que o caracterizam.
Parabéns, gostei muito de ler o teu texto,porque é a expressão de episódios que também eu vivi e vem na linha do que se estava a divulgar, ou seja recuperar o passado seja ele longínquo ou mais recente.

Celeste Gonçalinho O. Duarte

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