sexta-feira, janeiro 12, 2007

Peripécias

Num dia de “fazer” do início de Setembro de 1960, logo pela manhã cedo, depois de substancial almoço e jonguidas as bacas, aí vou eu fazer a sementeira do centeio nas terras de lavradio de cultura de sequeiro.
Pendurado em cima do jugo, o arado leve e frágil, só utilizado nestas sementeiras por ser uma lavra terceira, numa terra já lavrada – na decrua e na estravessa.
Quase parecia um aradinho de brincar pela estreiteza das suas avecas e pela delgadez do seu tamão e da rabiça.
A relha era curta e, claro, não tinha cega.
Começo cedo e contente o trabalho perto da velha carreira do tiro.
As levandeiras e as milheiriças são aos bandos e eu armo as ratoeiras, que bem cedo começam caçada.
Pelas dez da manhã faço uma paragem curta. Dou um molho de canas às bacas.
Eu que tinha ido acompanhado de casa por uma miúda de pele achocolatada, que até pensava ser moira, deitei-me com ela em cima de um pano, descasquei-a e mordisquei-a delicada e suavemente, primeiro de um lado e depois do outro.
Apertou-me a gula e comi com vontade, como parva, não a moira que pensava ser, mas a chouriça que era, caseirinha da nossa “lavra”.
A meio da tarde e quando tudo tinha corrido tão bem, pega-se-me o ferro do arado a uma pedra subterrânea que estava fixa, e a força das bacas vencendo a resistência da madeira, partiram-no pela relha, acabando assim com a trabalho daquele dia.
Não sem que antes de regressar a casa, recolhesse mais de cinquenta passarinhos das armadilhas que tinha montado.
À minha espera em casa estava uma bôla de milho acabadinha de sair do forno, que parti aos bocadinhos e temperei com azeite e açúcar.
Este pitéu fez-me esquecer as agruras da perda do arado.

Tônho D’Adélia

1 comentário:

Anónimo disse...

Numa altura destas, vires lembrar as moiras!.. nem tanto pelo seu encanto, mas mais pelo seu sabor. Faz crescer água na boca aqueles bocaditos que se comiam com o pão de milho.
Nunca se podia comer muito, porque naquele tempo já se tinha medo do colesterol, e então era preferivel levar umas moiritas aos "senhores", para que não viessem os de casa a sofrer de gorduras no sangue...
Seria engraçado um dia fazer-se uma fornada de falachas lá na Póvoa.
Um abraço
Jorge

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