sexta-feira, junho 01, 2007

CATARSE


Era eu já crescidinho
Três ou quatro anos tivesse
Guardava gado de mansinho
Ou outro jeito não houvesse.

Se a burrinha assustada
As suas corridas desse
Ao não ser acompanhada
Que pecado eu fizesse.

Se a cabrinha endiabrada
A horta do vizinho saltasse
Era mais uma trapalhada
Como se o mundo acabasse.

Se a vaquinha apressada
Pelos campos vagueasse
Não valeria de nada
Outro ser que invocasse.

Se a noite toda dormisse
Em sossego de inocentes
Havia logo quem visse
Actos vis de indigentes.

Se a água da poça acabasse
Sem a outra ir abrir
Talvez que não faltasse
Quem de mim se ia rir.

Se com o fardo não pudesse
Olhares crus me envolviam
Como que eu não quisesse
Aquilo que outros queriam.

É tão grande este pesar
De tão curtos e longos anos
Que não poderia deixar
De referir tais enganos.

Outros vi, esses sim,
Que tais culpas não tiveram
Memórias que guardo em mim
De santos outros que veneram.

São tão vastas as lembranças
De uma vida atormentada
Que não me restam esperanças
De a ver ressuscitada.

Ass: Bocaleixo

2 comentários:

costa disse...

Pois eu, sendo uma pessoa da "cidade", sem qualquer experiência do campo e muito mais nova que o Bocaleixo, também me revejo na 2ª quadra.Certa altura, por volta dos meus 9 anos ( nas férias de Verão), também a maldita burra me fugiu,e ao chegar a casa sem a dita cuja, os ralhetes foram tantos, que não percebi porque deram a uma criança tamanha responsabilidade (só o tamanho da burra me metia medo!!).
Mais tarde percebi que eram vivências e mentalidades diferentes.
Meu pai,homem inteligente, tendo vivido nesse ambiente, conseguiu superar todas essas agruras e com elas brincar.Também me explicou que toda aquela rudeza fazia parte da "criação".

Parabéns pelo poema! Muito bonito.

jmov disse...

Pois é meu caro Bocaleixo, eram tempos realmente bem diferentes dos de hoje. Hoje seria considerado exploração infantil. Naquele tempo era pior mal tratar um animal que uma criança. Não se lembra o meu caro Bocaleixo, quando aparecia a GNR, por aquelas bandas à procura das aguilhadas que tinham o ferrão superior a 1mm?. Quando alguma coisa de mal acontecia, lá vinha a respectiva recompensa paternal. Hoje tudo é diferente. As cabrinhas já são cabras, e podem comer à vontade a comida da cabrinha, ou a horta do vizinho, que nada lhes acontece.

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