sábado, junho 23, 2007

Aventura

Prometo não continuar, porém só por esta vez permiti-me, rapazes da Póvoa e da minha idade, que partilhe convosco – sim, porque de partilha se trata – algumas considerações sobre o meu avô, nado e criado ai na vossa “lavra”:
Este meu velho, que não teve como eu, a felicidade de ter avôs, soube como ninguém encarnar tal papel.
Tem para os netos, sempre um ar bonacheirão e dispõe-se a perdoar as minhas malandrices e traquinices com o pretexto de que sempre foi mais malandreco do que eu.
Já vos falei das minhas brincadeiras com ele, em férias na Póvoa, no carro dos Flinstons, enquanto muito miúdo; brincadeiras dizia, que já só muito remotamente alimentam o sentimento da minha nostalgia – hoje cresci, e as minhas brincadeiras são outras e delas falarei em próximos capítulos.
Já vos falei também das suas conversas comigo sobre a aventura da subida dos degraus do conhecimento, e do dever de humildade perante a certeza da nossa ignorância.
Hoje falo-vos do que ele me ensina sobre o valor e a arte das palavras, conforme a sua composição no texto escrito ou falado. Estas devem obedecer a cuidada composição, tal como as notas musicais para obter uma boa e melódica sinfonia.
Diz-me ele, que elas (as palavras) gostam de ser adornadas com “perfumes, pérolas e pedras preciosas”, como as noivas para os seus esposos.
Com sufixos e prefixos podem ser aumentadas ou amputadas, e cada sinal no texto faz derivar sua beleza ou valor, dando também ao texto falado, diferentes entoações e pausas.
Também os adjectivos enfeitam ou deformam o “ramalhete” das frases.
As palavras podem ser de ira ou de amor, de concórdia ou de discórdia, de paz ou de guerra; podem ser francas ou cínicas, verdadeiras ou falsas, de aproximação ou de afastamento, e mesmo de provocação.
Se o nosso tempo tem como primordial importância a comunicação, temos de nos exercitar no uso e aperfeiçoamento da língua, e portanto, no uso das palavras.
Para beleza e sentido do discurso, devem ser colocadas em casas próprias, e não em casas alheias, ou fora de casa; e requerem cuidados como as flores de um jardim.
Por vezes precisam mesmo de ser podadas e “levantadas”.
Este meu avô malandreco, fala muito em linguagem figurada, com metáforas e mais metáforas, mas já nos entendemos bem.
Em férias, prepara-me as refeições, o banho e lava-me a roupa; ensina-me o preço e o valor da liberdade, da lealdade e da solidariedade.
Eu ajudo-o com diligente prazer nas suas ocupações, e ouço-o com venerável atenção e respeito, nos seus ensinamentos ou nas suas divagações.
Como é bom ter um avô assim! É de pasmar, este avô!


Ass: Nuno costa e Avô

1 comentário:

ARQUIMEDES disse...

Meu amigo Nuno, mais uma vez te felicito pelos teus textos. São excelentes os valores que o teu avô te transmite, sobretudo o da humildade. Dizem as escrituras sagradas que só os humildes atingirão o reino dos céus mas, para mim, só os humildes crescerão em sabedoria e tornar-se-ão os verdadeiros homens de que a sociedade tanto carece. Acho muito bem que o teu avô brinque contigo ao "jogo das palavras", mas não te esqueças nunca que ele é apenas um jogador como tu. Cada um de vós terá que construir as suas palavras com as letras que tem. As palavras podem ser uma verdadeira obra de arte e é muito bom que o teu avô te ensine como trabalhá-las, mas o produto final só poderá ser teu. O belo está sobretudo naquilo que nos realiza, independentemente do juízo que outros possam fazer do nosso trabalho. Existem muitos génios dos vários domínios da ciência a quem as elites de então nenhum valor atribuiram e, esses mesmos, vieram a ser reconhecidos pelos seus feitos: Copérnico, Edison, Heinstein ...
Até Galileu foi condenado à morte por dizer que a Terra era redonda e girava em volta do Sol.
Aproveita bem os múltiplos ensinamentos do teu avô, mas não deixes que ele assine a tua obra.
Um grande abraço.

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