sexta-feira, abril 07, 2006

RITUALIDADES (Por Zé Macário)

Em tempos que já lá vão e que, parecendo pré-históricos, são no entanto próximos dos nossos, os longos períodos dos rituais "pró-acasalamento" no mundo rural e por consequência também na Póvoa – que se situavam sensivelmente em idades entre os 14 e 25 anos – tinham uma sinalética muito complexa ( muito mais complexa do que o actual código da estrada ) e o seu estudo exigia grande aplicação; quem não se aplicasse ao estudo, não percebesse os sinais e entrasse em "contramão", estava arrumado. A vida era uma escola empírica de autodidatas, onde nada se ensinava e tudo se aprendia só pela observação e pela perspicácia. Percebia-se que um rapaz começava a olhar para a "sombra" quando começava a aparecer com um penteado, de cabelo muito assente, provocado pela colocação na cabeça, de água muito açucarada que, tornando-se muito incómoda porque a transpiração fazia correr continuamente água doce para a boca e ainda por causa do "mosquido" – até porque o homem não fora dotado pelo criador de rabo para sacudir a mosca - era porém muito eficiente nos cabelos rebeldes ou na luta contra o vento. Nas raparigas era vulgar o uso de azeite para frisar e fazer luzir as melenas. Adornos masculinos mais tardios eram vulgarmente constituídos por correntes de ouro colocadas bem à vista de toda a gente, normalmente a sobressair entre duas casas do colete; também um vistoso relógio de pulso dava certo jeito quando se aproximava uma garota e se estendia muito o braço para encurtar as mangas da roupa e verificar as horas, ainda que estas fossem de leitura difícil ou impossível por causa do analfabetismo. Os rapazes competiam muito pelo nº de rubis dos seus relógios tentando adquiri-los com mais rubis do que o dos seus vizinhos. Era uma questão de importância! Os chapéus eram de uma variedade imensa e davam imenso jeito para ajudar a segurar uma rosa ou um cravo atrás da orelha. Se na missa se ia para o lugar do coro, convinha ter em atenção os sinais imanados lá debaixo pelas raparigas, na forma como constantemente levavam a mão à cabeça, fingindo compor o lenço, denunciando ou exibindo o nº de anéis e quais os dedos em que estavam colocados. Para se tornarem mais formosas as raparigas quando iam à festa, recorriam muitas vezes à colocação de serapilheiras no peito, por dentro dos coletes, não sem que se sujeitassem por vezes a percalços desagradáveis, quando estas lhes caíam ao chão à frente dos rapazes , deixando-as desarmadas da sua fictícia formosura. Porém valeu-lhes o aparecimento mais tarde dos soutiens– grande invenção do tempo – de formatos acentuadamente cónicos, e que normalizaram as mamas de todas as mulheres. A verdade porém é que a maior vaidade delas residia nas socas e nos soquetes. Quando as raparigas vinham em grupo da festa, da sede paroquial, ou da cidade, havia um ritual comum a todos os rapazes para afastar do grupo a escolhida, e consistia em aparecer por detrás e tirar-lhe a soca ou puxar-lhe o xaile – peça de indumentária exigível em muitas ocasiões. Deixar um lenço com uma ponta pendente fora do bolso era um sinal de que se procurava " galo ou galinha". Acenar de longe com lenços vermelhos, fora moda de outros tempos. As conversas de namoricos começavam sempre por nha nhas ou conversas da treta, como por exemplo: Tens uma vaca muito bonita; ou então: A minha galante puxa melhor que a tua bromelha.

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