terça-feira, abril 25, 2006

Respirar a Póvoa (por Teresa Costa)



Respirar a Póvoa.

Abro os olhos ainda ensonados…levanto a cortina que tapa a janela pequena do meu quarto. Vejo o sol a estender os seus braços pela ramagem esplendorosa das árvores que cobrem toda a encosta do monte à frente da casa. É magnifico ver o monte nesta época do ano. Os castanheiros de ramos ainda despidos deixando por terra o seu manto castanho amarelado; os pinheiros imponentes, vestidos de verde a rigor, muito conservadores. Nas clareiras o rosa velho do urze cobre o monte, lembrando um ar meio coquete.
Esfrego os olhos, coloco-me de joelhos sobre a cama e abro a janela. Uma brisa fresca percorre o meu corpo e sinto um arrepio. Tapo-me com um cobertor e chego mais perto da janela.
Oiço! Escuto! Além o cuco faz das suas, sempre a cantar e sem tempo nem jeito para fazer o ninho, apodera-se da boa vontade das outras aves para chocarem os seus ovos.
O piar da ave de rapina chame-me à atenção, o seu voo calmo sobre os pinheiros denota que aqui é ela quem domina.
O chilrear dos pardais é constante, sempre atarefados lá vão levando uma palhinha daqui, um raminho dacolá, e assim laboriosamente vão construindo os seus ninhos, com todo o amor e perfeição para receberem as suas ninhadas.
Oiço um batucar repentino e uma pausa; outro batucar, outra pausa. O Pica-pau faz o ninho nos troncos dos castanheiros. Este bater rápido do bico contra os troncos, a mim, só de pensar, dá-me dor de cabeça. Nuca vi nenhum em acção, mas já observei o seu trabalho e é digno de se ver.
Levanto-me. Vou fazer uma caminhada pelo monte.
O caminho é íngreme, tortuoso e o fresco da manhã gela-me as mãos, mas o prazer de subir a encosta é grande.
Já cansada, de respiração ofegante, chego ao topo do souto e início do pinhal. O sol matinal cobre os castanheiros e carvalhos de uma variedade enorme de cores suaves; desde o castanho escuro ao claro, passando pelo laranja, amarelo, vermelho, branco linho, bege, e ainda o verde seco e verde tropa…tenho a certeza que este mostruário de cores fazia as delícias e despertaria a imaginação e a criatividade a qualquer estilista de alta costura.
Entro no pinhal, e aqui a sensação é outra. O caminho torna-se menos doloroso para as pernas e a respiração começa a estabilizar.
A ramagem dos pinheiros não deixa a luz penetrar e parece quase noite. No sopé, só caruma e musgo. Não há outra planta aqui que cresça, por falta de luz solar. Os troncos altos e esguios, impõem respeito e admiração. As copas abafam os sons exteriores e apenas o vento canta e assobia. Sinto o sangue a correr nas veias, a uma velocidade astronómica, o suor percorre-me o rosto em pequenas gotículas, os músculos das pernas ressentem-se e no entanto estou calma.
Uma toupeira cegueta, de cara mimosa, esconde-se repentinamente no seu túnel escavado a preceito. Borboletas de todas as cores e feitios se vão atravessando à minha frente.
Olha!! Um melro acolá, de bico amarelo.
Já vejo a IP3 a cortar o monte e os carros a passar sempre apressados, ora para cima, ora para baixo, tal coelho na "Alice no País das Maravilhas". Vejo Meijinhos, vejo Mazes, Lazarim, Várzea da Serra, as Antas, as Dornas,…
De relance vejo um coelho a atravessar o caminho.
Passo o parque das merendas, muito engraçado, bem enquadrado, inaugurado e inacabado.
Chego à quebrada e assusto-me com um carreirinho de lagartas do pinheiro, todas agarradinhas umas às outras para não se perderem. Trinta e quatro, contei eu!!
Sigo caminho, agora pelo asfalto, e avisto a capela. Uma igrejinha de "brincar". Esta capela é das mais bonitas das redondezas. Vista de fora, ninguém diria, que com suas paredes de pedra robusta e cinzenta, poucas janelas ( diria, talvez, "jenelos"), uma torre sem sino, teria o altar mais bonito e bem ornamentado da região. No tecto conseguem-se ver várias pinturas, já muito debotadas, que mostram o bom gosto, empenho e devoção de quem o fez, salienta-se ainda o púlpito e o coro, estreito com um banco comprido onde apenas os homens podem entrar ( que pena estarmos a perder este património tão rico).
Chego a casa, cansada mas satisfeita.
Tomo um duche, onde a água percorre cada célula da minha pele. Sinto os poros a dilatarem e os músculos a descomprimirem.
Com tantas incertezas que a vida nos traz, uma coisa eu estou certa, vou voltar!!!

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