segunda-feira, abril 10, 2006

O Voo da Águia (por Anabela Costa)

O VOO DA ÁGUIA

Gostava de partilhar convosco um texto que nunca esqueci e que vou compreendo cada vez melhor, à medida que vou conseguindo voar vivendo na minha dimensão terra.

"Um camponês criou um filhote de águia junto com as suas galinhas. Tratava-a da mesma maneira que tratava as galinhas, de modo que ela pensasse que também era uma galinha. Dava-lhe a mesma comida jogada no chão, a mesma água num bebedouro rente ao solo, e fazia-a ciscar para complementar a alimentação, como se fosse uma galinha. E a águia passou a portar-se como se galinha fosse. Certo dia, passou por sua casa um naturalista, que vendo a águia ciscando no chão, foi falar com o camponês: - Isto não é uma galinha, é uma águia!
O camponês retorquiu: - Agora ela não é mais uma águia, agora ela é uma galinha!
O naturalista disse: - Não, uma águia é sempre uma águia, vamos ver uma coisa...
Levou-a para cima da casa do camponês e elevou-a nos braços e disse: - Voa, você é uma águia, assuma sua natureza!
Mas a águia não voou, e o camponês disse: - Eu não falei que ela agora era uma galinha?
O naturalista disse: -Amanha, veremos...
No dia seguinte, logo de manhã, eles subiram até o alto de uma montanha. O naturalista levantou a águia e disse: - Águia, veja este horizonte, veja o sol lá em cima, e os campos verdes lá em baixo, veja, todas estas nuvens podem ser suas. Desperte para sua natureza, e voe como águia que és...
A águia começou a ver tudo aquilo, e foi ficando maravilhada com a beleza das coisas que nunca tinha visto, ficou um pouco confusa no início, sem entender porque tinha ficado tanto tempo alienada. Então a águia sentiu seu sangue de águia correr nas veias, perfilou, devagar, suas asas e partiu num voo lindo, até que desapareceu no horizonte azul."

Leonardo Boff, A águia e a galinha, a metáfora da condição humana
O ser humano é criado como se fosse (e para continuar a ser) uma simples galinha, mas, a verdade é que todos nós somos águias que ansiamos ganhar altura e projectamos visões e sonhos para além do nosso pequeno galinheiro. Acolhemos com prazer as nossas raízes (galinha), mas nunca tal aceitação deveria ser feita à custa da nossa liberdade, de ficarmos presos ao e no nosso galinheiro e de não voarmos livres e podermos abraçar o sol, a chuva, o vento, o ar e o universo inteiro com as nossas asas. Queremos resgatar o nosso ser de águias. As águias não são feitas para andar na terra, mas para voar nos céus, medindo-se com e desafiando o horizonte longínquo, os picos das montanhas e os ventos mais fortes.
Hoje, nos dias que correm, em que o poder, a ganância, o dinheiro, e o consumismo ganham cada vez mais terreno e criam cada vez mais galinhas, é urgente darmos asas à águia que se esconde em cada um de nós. Não podemos continuar a assistir aos mandos e desmandos dos mais fortes, dos detentores do ter e do poder, que querem controlar pelo simples prazer do controlo, do poder e da dominação dos mais fracos, reduzindo-nos a simples galinhas e subordinando-nos aos seus interesses. É preciso que não aceitemos essa submissão, que rejeitemos os conformismos e os comodismos, porque essa dominação é a causadora de muitos sofrimentos à humanidade, da pobreza extrema, da intolerância, do racismo e da exclusão social. Por isso, é necessário que despertemos a águia que existe dentro de nós para juntos construirmos um mundo melhor, onde todos possamos participar e decidir sem omissões, libertando-se da opressão. Só então encontraremos o equilíbrio.

No entanto, pobres de nós se pretendermos ser apenas águias que voam nas alturas, que enfrentam as tempestades e têm como horizonte o sol e o infinito do universo. Acabaremos por morrer de fome. A águia, por mais que voe nas alturas, é obrigada a descer ao chão para se alimentar, caçar um coelho, uma rato, uma preguiça ou qualquer outro animal. Somos águias. Mas devemos reconhecer o nosso enraizamento numa história concreta, no local onde nascemos, na nossa família, numa biografia irredutível com suas limitações e contradições: a nossa dimensão-galinha.

E é nesta dimensão que eu, recém-entrada na família Costa e tendo tido o privilégio de conhecer e poder estar num local onde me sinto águia, dou largas aos meus sonhos, abro as minhas asas e voo para lá das montanhas que o meu olhar alcança, a Povoa de Vila Nova de Souto D'El Rei, me revejo e sou muito feliz. Desde o primeiro encontro com a Póvoa, que tive a certeza de que voltaria e de que a minha dimensão águia e a minha dimensão galinha ficariam para sempre ligadas a esta família, a esta terra e às suas gentes. Como descrever a inigualável beleza, imensidão e serenidade da paisagem que nos envolve na Póvoa? Os cheiros, a beleza das giestas selvagens, dos castanheiros, dos pinheiros, o souto, as miríades de tons e colorações, os sons dos pássaros, dos ribeiros, da água a correr, enfim, o som e o cheiro da Natureza na sua mais pura demonstração de beleza e grandiosidade? Como descrever os sorrisos, a simpatia, a força das gentes da Póvoa com quem me cruzei, com quem falei, ri e brinquei? Apenas com uma expressão: o voo da Águia!

Sejamos, pois, galinhas e águias: realistas e utópicos, enraizados no concreto e abertos ao possível ainda não ensaiado, andando no vale mas tendo sempre os olhos nas montanhas. Recordemos a lição dos nossos antepassados: se não buscarmos o impossível (a águia) jamais conseguiremos o possível (a galinha).A águia compreenderá a galinha e a galinha se associará ao voo da águia."

E nunca nos esquecemos do que é óbvio, do que está mesmo aqui ao nosso alcance, mas que a Humanidade teima em não querer ver.

"Os Deuses com medo de que, se o ser humano fosse perfeito, não necessitaria deles, reuniram-se para decidir o que fazer. O mais sábio dos deuses disse: "Vamos dar-lhes tudo, menos o segredo da felicidade".
"Mas se os humanos são tão inteligentes, vão acabar descobrindo esse segredo também!", disseram os outros deuses em coro.
"Não", responde o sábio - "vamos escondê-las num lugar onde eles nunca vão achar - dentro deles mesmos"

Anabela Costa

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