segunda-feira, abril 03, 2006

Infantilidades (por Zé Macário)

Infantilidades

Eu arda! Eu arda, se não é verdade aquilo que vou contar-vos:
- Lembro-me ainda – muito mal – da Ti Gracinda Matilde, ou Ti Metildes como se dizia; e isto para dizer que me lembro bem do rapazola namorador que era o Luís seu filho.
Ora o Luís era um rapaz bem-falante que me abismava por saber dizer " persuadido".
Era, enquanto rapaz – muitos anos antes do Ti Zé dos terços – o indivíduo que conduzia a reza do terço com a respectiva ladainha em latim todos os dias e ajudava à missa de quinze em quinze.
Se era bem-falante e sabia dizer "persuadido", era também bem parecido e tinha sobre a testa uma avançada e cobiçada marrafa de cabelo.
Viera a casar com a filha de uma senhora que nunca colocara algo em qualquer sítio, porque tudo " prantava" em todos os sítios, mas isso é outra conversa.
Retenho-me agora só no Luís, na sua admirável reza e na marrafa, que eu, quando assistia ao terço comparava com a de um serafim que segurava, esforçado uma coluna do lado esquerdo do altar mor.
Da ladainha, eu não percebia nada e o meu tempo durante aquela reza era passado na contemplação doída daquele pobre serafim, vergado, - já mesmo deitado – pelo peso daquela coluna, que me metia mais dó por tanto o comparar fisionomicamente ao Luís, quer pela marrafa quer mesmo pelas maçãs do rosto.
Quanto ao termo "persuadido", devo dizer que muito me ajudou quando eu – precoce criança – o forçava a coincidir num qualquer fraseado, realçando assim o meu vocabulário, exibindo-me perante as moçoilas em idade escolar.
Outros termos me terão dado grande estatura linguística, como por exemplo, o realmente, do Zé da Celeste; porém o " persuadido" é que verdadeiramente me catapultava aos píncaros lunares.
Ainda muito criança, se via o dono do "persuadido", numa conversa com alguém, ali me juntava eu como gato que esperasse a queda de uma espinha da mesa do dono, aguardando ver sair um " persuadidozinho", daquela boca, que logo juntava ao meu léxico.
E já espigadote, quando saía para o engate, ia muito mais tranquilo – como se levasse um belo adorno qual general carregado de medalhas – porque munido do meu colar de " persuadidos".
Poderá parecer absurda ou ridícula esta pequena estória , porém, estou " persuadido" que o absurdo não existe e o ridículo faz parte do nosso processo de aprendizagem.

1 comentário:

Anónimo disse...

Bem haja Zé,
É sempre um prazer ler o que tu escreves. Escrever simples coisas de um homem grande em tudo, menos na sua aparência física, como era Luis Duarte de Oliveira, é para nós como um sopro de leve brisa, que nos transporta suavemente ainda que, para um tempo sem retorno, no qual nos detemos, sonhamos e acordamos de novo para a nossa insignificância, pois esse homem foi quem nos deu o ser, e não o podemos trazer de volta!!!

Celeste Gonçalinho de Oliveira Duarte
Alzira Gonçalinho Oliveira
Jorge Gonçalinho Oliveira
Alda Cristina Gonçalinho Oliveira
Maria Herminia Ginçalinho Oliveira

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