sábado, abril 01, 2006

Aos meus queridos netos (por Zé Macário)

Zé Macário (25-03-2006 - 07:56:13 PM)

Aos meus queridos netos

Tive a felicidade de criar, nos primeiros anos de vida, cinco, dos seis que vós sois e de acompanhar de muito perto os passos de todos na adolescência. Foi um privilégio para mim mudar a fralda, dar-vos o banho, a papa, limpar-vos o cú – sim porque netos meus não têm rabo – vestir-vos, eu sei lá!... Como foi bom, meu Deus, dar-vos nessas rechonchudas bochechas, aquela inebriante diversidade de beijos de chupão, de pincel, estoirados e até amorosas dentadas nessas apetitosas "nalgas"! Se era bom arrastar cada um de vós dentro de uma caixa plástica do leite, com quatro rodas octogonais de madeira, por exigência vossa, para vos encher de guloseimas no café mais próximo, a fim de me deixardes ler o jornal em paz, era óptimo arrastar dois ou três em vagons de duas caixas do mesmo material passeando pelas ruas do bairro ou mesmo numa avenida de Lamego, enquanto as pessoas olhavam de soslaio, ou a avó envergonhada daquele carro tosco e mal feito (parecia o carro dos Flinstones) se refugiava num qualquer café. Ajudei-vos a dar os primeiros passos e a pronunciar as primeiras palavras; ajudei e ajudo muitas vezes a fazer os trabalhos escolares, mais conhecidos por TPC's. Desenvolvemos grandes cumplicidades ao ponto de nos percebermos mutuamente, em toda a linguagem mímica implícita em cada sorriso, gesto, ou simples ruga facial. Como eu gostei e gosto de estar presente nas vossas birras, vaidades, choros, sucessos ou insucessos e até nas vossas tentativas de afirmação de personalidade. Tenho a certeza de vos ter proporcionado infâncias extremamente felizes, sabendo contudo também que o gozo que me retribuístes foi infinitamente maior. Agora o que mais quero é exortar-vos a perceber o valor da instrução, da cultura, e a ser pessoas livres e dispostas a pagar o preço da liberdade, na certeza de que esse preço é sempre mais baixo do que o de viver vidas sempre de espinha curvada . Só as pessoas instruídas e cultas podem ser livres...Se o quiserem. Por isso meus queridos netos, cultivem-se, personifiquem-se e afirmem-se! Aprendam a ser livres, voem como passarinhos e apanhem a Lua porque ela está ao vosso alcance e depois de a apanharem deixem que todos brinquem com ela. Ao querer falar-vos de moral ou ética, digo-vos que me parece muito difícil a definição do conceito de qualquer delas, e muito menos hoje onde tudo parece confundir-se em absoluto relativismo; no entanto sinto-me capaz de afirmar que essa definição está registada no nosso código "genético" de tal forma que sentimos tocar cá dentro uma campainha, informando-nos em cada acção, se esta é socialmente aprovável ou reprovável. À sua observação empírica, estudada, comparada e ao estudo da sua implicação nos outros e no mundo, eu chamarei de leitura do livro da Sabedoria. É bom que a par de todos os estudos, que vos aconselho, aprendais também a ler o (abstracto) livro da Sabedoria. É na leitura desse livro que aprendereis a discernir Bem e Mal e consequentemente a ser livres. E não tenhais dúvidas netos meus, que há – sempre houve – muitos milhões de seres humanos que, sempre tendo servido de capachos de outros seres humanos, tecem – sempre teceram – louvores ao Criador, pela honra de terem sido pisados por tão nobres pés. Mas pior ainda, é serem muitas vezes escravos de si próprios, pela falta de treino na condução dos seus pensamentos, isto é, falta de discernimento de Bem e Mal. Há muita, muita gente com altos níveis de instrução e que até nos é impingida todos os dias como modelo, e que nunca aprenderam minimamente a ler o livro da Sabedoria. Outra coisa importante de que hoje quero falar-vos, é do domínio do medo: - Em todas as sociedades passadas, presentes ou futuras, as organizações e muitas, muitas pessoas vivem – e muito bem – do medo que, " farsando ", conseguem infligir aos seus concidadãos; ora sabendo nós, que os "fortes" só o são em função da fraqueza dos outros, convém nunca dar a ninguém qualquer sinal dos nossos medos. Quero com isto dizer que convém desde muito novos, treinar – e isto requer uma longa aprendizagem – o domínio dos nossos medos e sobretudo não dar sinais das nossas fraquezas. Também nunca deveis passear com arrogância as vossas vitórias, porque a humildade é uma virtude e a seguir há outras batalhas... Um dos piores medos que conheço é o da exposição da nossa ignorância, porque este medo inibe a nossa aprendizagem. Não tenhais medo e perguntai tudo o que não sabeis aos vossos professores mas sobretudo aos vossos pais e aos vossos avós. Com os pais deveis falar, falar, falar, expor, expor, expor, porque, por mais que faleis, haveis de ser sempre invadidos de grande arrependimento, do muito que há-de sempre ficar por dizer. Que Deus vos abençoe, meus queridos.

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