quinta-feira, novembro 09, 2006

Ficava encantado quando em pequeno ouvia contar histórias do Zé do telhado, Robin dos Bosques ou outras personagens de idênticos comportamentos; Porém à medida que ia crescendo, ia-me interrogando sobre o porquê deste encantamento em mim, e que eu verificava também na generalidade das pessoas.
Aquelas figuras eram os nossos heróis e tentávamos imita-los até nas nossas brincadeiras de criança e treinos de liderança.
Era também a partir do mesmo sentimento, que me apaixonava pelos personagens e suas acções da história de Portugal, que me era ensinada ou contada de forma mistificada, tendo-me previamente gravado no subconsciente a “justeza” das razões dos nossos heróis.
No caso do Zé do telhado, e a partir de uma noção romântica e errada de justiça, previamente gravada no meu subconsciente, parecia-me altamente louvável o facto heróico de ele roubar aos ricos para dar aos pobres; Como se o roubo não fosse em si mesmo condenável, ou ainda como se se devesse atribuir ou confiar ao livre arbítrio de um qualquer indígena, a condução da justiça social.
Tinha portanto, gravadas no meu subconsciente, as premissas erradas para a elaboração dos meus juízos e, claro, quem parte de princípios falsos, chega sempre e necessariamente a conclusões erradas.
Mas mesmo ainda hoje e não obstante saber isto, aquelas figuras suscitam em mim instintivamente uma onda de simpatia. Pior ainda: acredito que isto se passe com a maioria ou generalidade das pessoas adultas.
Ora este vírus ( as tais premissas erradas ) gravado no “ ADN” do meu pensamento, distorce a minha liberdade de ser pensante, pois se as premissas estão erradas, estão errados ou condicionados todos os meus pensamentos.
Penso que foi este grave erro colectivo de apreciação, que nos levou a aceitar impávidos, as ignóbeis ocupações e saques pós 25 de Abril, por alturas do PREC, que tanto beneficiaram dúzias de oportunistas, com prejuízos incomensuráveis para todo o povo Português.
Lembro que o País esteve à beira da bancarrota e lembro também que tivemos de atribuir milhões e milhões de contos de indemnizações, às vítimas de tais saques;
Ou seja, roubaram eles e pagámos nós.
Ao que penso, também o exercício da inquisição com seus autos de fé e suas execuções, que hoje são objecto de condenação e repúdio, eram acompanhadas pelo povo em ambiente de grande festividade.
Do mesmo modo as políticas de Hitler, Mussolini, Salazar ou outros, tiveram sempre grande apoio dos povos em que se desenvolveram, e os líderes foram muitas vezes aclamados pelas suas práticas; aliás nem poderia ter sido de outra maneira, dado que é impossível a sobrevivência de regimes, sem o apoio, activo ou omisso, das populações que servem.
É também por este erro colectivo de pensamento ( a cenoura enganadora da ideia igualitária) que a União Soviética sofreu as vicissitudes do mais iníquo dos regimes à face da terra, desde 1917 até à queda do muro da vergonha, relatado aliás com mestria no livro negro do comunismo, de Stephane Courtois.
Os povos não têm assim que se envergonhar dos seus líderes, mas antes, envergonhar-se de si próprios, por terem deixado contaminar o seu pensamento, e com ele a acção ou omissão individual ou colectiva.
Faço esta reflexão ainda e também, a propósito do referendo para a liberalização do aborto.
É dito por alguns argumentistas que a liberalização e gratuidade do aborto, torna as mulheres pobres, iguais às ricas, tentando criar naquelas o desejo de serem iguais a estas. Cuidado com o engodo!
Também o argumento de que a mulher deve abortar quando quiser, por ela ser dona e senhora do seu corpo, me parece altamente falacioso, por fazer a apologia da desresponsabilização de paternidade, remetendo o homem para a simples condição de dador de esperma.
Dispenso-me de argumentar ou comentar outros argumentos, pensando no entanto que toda a argumentação deve ser devidamente fundamentada sem constrangimentos ou condicionalismos de qualquer espécie, na certeza de que os nossos pensamentos, actos e até omissões, têm consequências e acabamos sempre por ser responsabilizados por eles.
Na dúvida ou na impossibilidade de formar opinião, parece-me ajuizado utilizar uma metódica dúvida cartesiana, isto é: caminhar na dúvida sobre velhos conceitos e costumes, enquanto não estiver seguramente munido de ferramentas que estruturem em mim, o pensamento tendente a novos e válidos conceitos.

Ass: Tonho d’ Adélia

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