sexta-feira, fevereiro 02, 2007

Feira de gado

É talvez dia seis de Janeiro de 1958, dia de reis e dia da feira de Gosende. Muita gente vem a pé desde muito longe, com ou sem gado, a fim de aqui fazer os seus negócios.
Pelos caminhos para a feira, já muita gente iniciou ou concluiu negócios e assim há-de ser ainda na viagem de regresso.
Já na feira, cedo começa também a vozearia e algazarra para realizar um qualquer negócio de reses, que por mais calmo que seja, mete sempre o barulho das avaliações, defeitos, ajudas, rachas e “missas”.
Diga-se de passagem que as rachas são preposições por um terceiro, de divisão a meio, da diferença monetária que separa o vendedor do comprador. Enquanto que as “missas” são comissões combinadas através de qualquer sinal codificado entre experientes, e que vão contemplar os ajudas, por ajudar a valorizar ou desvalorizar a rês, atribuindo-lhe ou retirando-lhe defeitos.
Decorre normalmente esta feira de gado por entre o mato, giestais, penedias e rigueiros.
Eis senão quando, por volta das onze horas, se levanta ao centro da feira, grande “burburinho” humano, juntando pessoas em turbilhão.
Ouvem-se gritos de acudam e aqui d’El Rei!... Vêem-se paus, varas, bengalas e jambotos pelo ar, arremessados por cima das cabeças daquela mole humana.
Em cima de um penedo ao cimo do cabeço, observo por entre a multidão os Festas, os Morgados, os Farras, os Fidalgos, os Relhados, os Fortunatos e tantos outros de nomes menos sonantes.
Há jambotadas, pauladas, estadulhadas, trochadas, traulitadas, porradas pelo ar.
Corre já sangue e há muitas cabeças partidas. Intervém a guarda e há tiros…
De todo o perímetro da feira acorrem ao centro feirantes, não para acudir mas para distribuir indistintamente lombeiradas, bordoadas, trochadas, arrochadas, fueiradas, vergastadas, mocadas. Cresce a algazarra, e há mais e mais sangue…
A guarda pede reforços, que demoram uma eternidade. Entretanto continuo a ver e a ouvir a distribuição indestinta de trancadas, ripadas, cacetadas, bastonadas, berlaitadas…
Chega o piquete de reforço da guarda, que avança resoluto para o centro da desordem, e num instante acaba com o “espectáculo”.
Está cumprido mais um dia de feira como tantos outras.
Estão vingadas rixas antigas de outras feiras e de outras festas, e no resto do dia e seguintes, vão discutir-se nas tavernas as razões de cada um ou de cada aldeia.
Amanhã é outro dia.

Tonho D’Adélia

1 comentário:

Anónimo disse...

Era a uma feira assim que deviam ir alguns senhores que se vão passeando pelas estradas deste nosso Portugal. Podia ser que fossem confundidos e no meio da confusão lá lhes caía também uma arrochada. Mas se não fosse por confusão tanto melhor.

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