segunda-feira, dezembro 12, 2005

Tradição e solidariedade

Como todos sabemos, a matança do porco na nossa terra foi no passado, um ritual, uma tradição de sobrevivência para as famílias que tinham assim as provisões mínimas de carne da salgadeira, banha, unto…assim como pá, presunto e enchidos. Estes últimos produtos eram porém “iguarias” que se guardavam “religiosamente” para presentear amigos, para colocar na mesa às visitas, para “pagar favores” e ainda para comer em família em dias especiais como no Carnaval ou partilhar com familiares vindos de fora.
À matança do porco seguia-se a função, uma refeição saborosíssima constituída por massa com “colada”, e sarrabulho simples ou com açúcar e banha, torresmos arroz de fígado; juntando-se à mesa toda a família.
As pessoas eram humildes, de fracos rendimentos, porém uns mais pobres que outros. Era então que se revelava o carácter solidário daquela gente.
Penso que era um costume na Póvoa, no dia da função distribuir generosamente parte dos alimentos a consumir nessa refeição pelos mais necessitados.
Na casa dos meus pais fazia-se um pote de arroz para nós e outro para dividir por essas pessoas. Após a confecção da comida, enchia-se um prato com tudo o que nessa refeição ia à nossa mesa e levava-se às referidas pessoas. Isto acontecia no Inverno e nem mesmo as gélidas temperaturas, as rajadas de vento ou chuva nos impediam de entregar aquela ceia nos lugares de destino…
Não nos esqueçamos, que, uma ceia assim, podia significar para aquelas famílias a diferença entre deitarem-se com o aconchego de uma boa refeição, ou irem para a cama com um caldo de batatas e couves, ou uma água de unto com umas côdeas de pão duro, que se ia poupando durante a semana; ou mesmo nem comerem mais nada até ao outro dia!
Penso que posso afirmar que na nossa terra há um certo espírito de solidariedade e digo isto porque me lembro que em alturas de maior” aperto” de trabalho: bessadas arranca, cegadas, malhadas…, as pessoas apareciam para ajudar nesses trabalhos do campo.
Para reforçar este princípio moral, que a todos nós nos toca, dou outro exemplo. O Sr. padre Manuel, meu tio, que abdicou de tudo aquilo a que tinha direito por herança, distribuindo esses bens pelos irmãos, pedindo porém que se ajudassem os mais pobres nas suas dificuldades; o que veio a ser feito. Não tendo nós a certeza, pensamos que essa ajuda foi dada em géneros alimentares e agasalhos.
Para terminar esta reflexão, destaco a minha tia Celeste que foi uma profissional competente no ensino tendo leccionado na nossa povoação, e noutras localidades do nosso concelho, e ainda em Angola. Hoje, já reformada, continuando com um espírito dinâmico e entusiasta sendo na minha opinião um ”motor de vida” na nossa pequena aldeia.
Disponibilizando parte do seu tempo, ela dinamiza e dá apoio aos rituais religiosos na nossa capela nos cânticos nas leituras… contribuindo assim para se manter a dignidade que esses momentos requerem. Ultimamente tem tido uma acção humanitária com pessoas idosas doentes, deslocando-se ao respectivo domicílio, dando apoio e orientando tarefas que visem melhorar o conforto desses doentes.
Há muitas formas de se ser solidário!...
E temos sem dúvida na terra quem nos dê o exemplo.

Celeste Gonçalinho Oliveira Duarte

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