quarta-feira, novembro 23, 2005

Souto amigo

Para do belo souto da Póvoa se falar,
a antigos factos é necessário recuar
e assim se entender,
a importância desse lugar
na subsistência daquele povo;
que da castanha seca o pão fazia,
para comer no dia-a-dia.

Era o tempo de reis e cruzados
homens robustos e determinados,
que, levados pela emoção
desenvolviam a sua acção,
empreendendo aventuras e guerras
na conquista de novas terras,
pelos reinos se dispersando
e a fé em Jesus Cristo divulgando.

Ora, estando El-Rei de Leão em seus pensamentos
de levar a cabo seus intentos,
de os Muçulmanos expulsar
e o seu reino alargar
o mais que pudesse ser;
ao longe vê aparecer
nobre cavaleiro ou cruzado
de outro reino distante ali chegado.

O homem para ele avança
era um cruzado vindo de França,
que estas palavras ao rei dizia
de ao seu serviço se colocar,
só para ter a gloria de um dia;
a fé poder espalhar
dos mouros combater,
e a mão de D. Teresa lhe conceder
para em seguida a desposar.

El-Rei ouvindo-o serenamente
lhe responde em tom prudente:
- minha filha te darei
assim nisso eu pense
e conde te farei
do condado portucalense
de verdes campos e montes
e de água fresca que jorra das fontes.

E logo o rei manda anunciar
no seu reino a toda a gente,
que rejubile e fique contente,
porque Teresa vai casar
e contra tal ninguém se oponha,
pois o noivo é Henrique de Borgonha.

O casamento estava consumado
e um único filho nascido,
que a Egas Moniz foi confiado
para em terras do Sul do Douro ser educado;
ficando na historia conhecido
pelas lutas que contra os muçulmanos travou
e pela independência de Portugal que conquistou.

Numa certa ocasião
estava-se em pleno verão,
quando naquela terra passou
casualmente D. Teresa
e tristemente constatou
que o povo da Póvoa vivia mal
numa pobreza tal,
que nem pão tinha à mesa.

Comovida ordenou
e logo escrito ficou,
que dela era só a lenha
e do povo a castanha,
pois muito desta precisava
para o pão que o alimentava.

Séculos passaram
sobre as coisas que não mudaram;
quando em certo dia
uma desgraça sobre essa gente caía,
pois aquele souto tão estimado
o povo observava preocupado,
ia secando estranhamente
sem qualquer razão aparente!

Então cheio de fé
se junta à gente doutros povos: Juvandes e Melcões
prometendo ir à Lapa a pé
aí rezar suas orações,
se nossa senhora lhe valesse
e os castanheiros protegesse
pois não havia memória
de tão terrível história!

A promessa se cumpriu
e de novo o verde se viu,
nos castanheiros sem idade
que eram da Póvoa vaidade,
pois frondosos como eram
muita castanha dariam e deram,
para dela se fazer
o saboroso pão para comer.

A tradição ainda hoje se mantém
e não há nestes povos ninguém,
que fique indiferente
a perder tal romaria,
de tantas outras diferente
para tal sempre se nomeou um juiz
pois assim o povo o quis!

A ele várias responsabilidades cabem e cabiam:
a de a romaria organizar
e abundante merenda preparar,
tudo para que àqueles que iam
nesse dia nada faltasse
pois mais valia que sobrasse;
sendo também sua obrigação
à Senhora da Lapa rezar com devoção.

A merenda sempre apetitosa
muito farta e gostosa:
um cesto cheio de fritas
loiras saborosas e bonitas
vinho e outras bebidas,
para tornar mais divertidas
aquelas horas de romaria,
que, no ano uma só vez se fazia.

Aquele souto antigo
que de tantos foi amigo,
fica mesmo em frente
de quem pela estrada da Póvoa entre,
como de um cenário se tratasse
e a uma peça de Gil Vicente se ajustasse,
cumprindo assim o seu destino
que lhe traçaram em pequenino.

Por fim um apelo faço
olhemos com respeito aquele espaço,
que se falar soubesse
e o mais velho castanheiro pudesse,
muitas histórias contaria
de amor, por certo, alguma seria;
de alegria, tristeza ou pobreza
disso ninguém duvida com certeza.

Celeste Gonçalinho de Oliveira Duarte, 23 de Novembro de 2005

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