sexta-feira, maio 05, 2006

Recurso dos pobres ( por Zé Macário)

Recurso dos pobres

Desde que o homem se tornou sedentário e começou a fundar comunidades "urbanas" , se instituíram classes organizadas capazes de satisfazer as suas grandes necessidades – reais ou imaginárias.
No topo da pirâmide formada por estas classes estava o "Clero" que tratava da mediação entre o humano e o divino e ou as forças obscuras da natureza, seguindo-se por ordem de importância o "exército" que tratava da protecção do povo contra os perigos reais, mais ou menos evidentes; e na base da pirâmide estava o povo trabalhador que, com o produto do seu trabalho se sustentava a si e às outras duas classes.
Sempre assim foi e assim continua sendo.
No Clero e portanto nos seus "conventos e mosteiros" residia a sede cultural de todos os saberes, o que o tornava importante nas grandes decisões comunitárias.
Mais que as outras classes, sempre tiveram fartas mesas os que se dedicaram à meditação e mediação divina; e talvez esta abastança explique o aliciamento da juventude da Póvoa – principalmente em ocasiões de grandes crises – para ingresso nas ordens monásticas nos diversos conventos e mosteiros das diversas ordens religiosas, num movimento sem paralelo entre outras localidades vizinhas.
Assim se refugiaram muitos jovens e para aí ficaram perdidos por alguns anos ou por toda a vida, em salmos entre matinas, vésperas, noas, nonas, e completas, em místicas e misteriosas vidas que a história omite.
Sim, viviam perdidos para o mundo, em obediência cega a uma ordem, em frenéticos ritos de contemplação oração e trabalho.
Poucos por lá ficaram.
E quando saíam, por ventura ainda novos, percebia-se perfeitamente de onde vinham, pois era vê-los semi-envergonhados, absortos na contemplação do sexo oposto, quais turistas embasbacados apreciando a Torre dos Clérigos.
Percebe-se que, habituados às pregações contra os três inimigos do homem – mundo, demónio e carne – se rendessem assim logo às primeiras impressões, aos dons encantatórios do "inimigo" que só agora descobriam, e com apelativos caracteres e atributos que antes desconheciam, porque contrários aos que lhes haviam sido "pintados".
De regresso às origens, alguns – dos que tinham partido para estudar – vinham algo enriquecidos, tendo-lhes servido os estudos para voos mais altos na vida; outros porém, os que tinham partido como simples leigos – uma espécie de criados de padres sem ordenado – regressavam prejudicados, pelos anos perdidos, pois nem os ofícios que eventualmente por lá aprenderam, tinham aplicação pratica.
Destes últimos e pelas razões apontadas, muitos se obrigaram a ficar até ao fim dos seus dias.
Outros – muito poucos, os escolhidos – por lá ficaram com realização plena de vida por descobrirem ser essa a sua real vocação.
Também tive o privilégio de ser seminarista durante cerca de um ano, não pelas razões apontadas, mas porque o meu pai resolveu mandar-me para lá para me preparar para ir salvar almas e entregá-las salvas ao criador.
Nunca tive grande jeito para "bombeiro", porém, como me era prometido que assim, nunca precisaria de trabalhar e o trabalho fazia calos e dores nas cruzes, para lá parti, não tendo todavia aguentado mais de um ano.
Assim ficava para trás quer a minha formação para o exército de salvação, quer a de preguiçoso mor.
Devo porém confessar ter sido a frequência desse ano um privilégio, por me ter alargado o leque de conhecimentos que sempre me serviram e servem para alguma coisa.
Faça-se a justiça de reconhecer que o clero com as suas ordens religiosas, foi responsável pelo estudo de muita, muita gente, que de outro modo nunca teria tido hipóteses de ser alguém na vida.
Por mim, aqui lhe presto essa homenagem.

1 comentário:

Anónimo disse...

Olá Zé

Li o teu último texto com o mesmo entusiasmo e agrado com li todos os outros que escreveste.
O assunto é interessante, mas que daria "pano para mangas" se fosse tema a desenvolver!...
Continua a escrever, que assim partilhas com todos nós episódios e tradições,que enriquecem os nossos conhecimentos sobre a nossa terra.
Celeste Gonçalinho de Oliveira Duarte

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