sexta-feira, março 09, 2007

A todos os que passaram pela Chicala ANGOLA

( palancas)
Memórias de outros tempos

Já há uns anos, quis o destino, que de uma pequena aldeia esquecida no sopé do monte D`Ufa, partissem para planalto angolano uns quantos dos seus filhos. Partiram em silêncio e, em silêncio, regressaram, sem que alguém os haja visto partir ou chegar. Talvez tivessem partido sem ambição e regressaram apenas com o inconformismo do letárgico imobilismo dos tempos que o tempo não apagou. À chegada, encontraram as mesmas casas de um granito rude, encimadas por pseudo-chaminés de telha, por onde não circulavam fumos ou ventos de esperança. Depararam-se com os mesmos rostos definhados, de olhares cabisbaixos e sombrios, como se o sol permanecesse escondido no horizonte e as estrelas tivessem deixado de cintilar. Pisaram as mesmas ruelas com as suas calçadas polidas pelo tempo. Observaram os mesmos silêncios. Sentiram os mesmos odores. O verde dos campos desaparecera, como que se a Primavera nunca tivesse passado por ali. Talvez por isso, as andorinhas, os cucos, as cotovias … tinham partido e esses, sim, para não mais voltarem. Poder-se-iam observar apenas umas quantas carriças desajeitadas e turbulentas, de olhos pequenos e curtos voos, mas de bico afiado, receosas de que lhe invadissem o seu território de vermes. A Russa, a Preta e outras tantas mais tinham deixado a terra dos moribundos, certamente por opção ou ainda num desgostoso gesto suicidário. Paz às suas almas e que Deus as tenha em bom lugar que o merecem bem mais que outros mortais!
Mas, esses que haviam partido estão vivos, vivinhos da silva, embora longe ou talvez perto demais para que das suas memórias o tempo não tenha deixado apagar o sentimento de imobilismo ortodoxo que se estabeleceu como princípio doutrinário.
Meus caros companheiros de aventura, meus bravos, congratulem-se porque nos restam outras memórias de vivências ímpares que não caberiam neste espaço. Todavia, permito-me recordar pequenas diabruras, do tipo circense ou do coliseu romano, que um catraio de vinte anos fazia com uma tal Laika e que, por razões óbvias, não podem ser reveladas. Não esqueço também um tal pequeno Castro, guarda-costas de um calmeirão a quem fielmente servia, controlando, à porta do estabelecimento, a chegada do boss ou outro qualquer intruso que pudesse interferir com o seu refastelante repasto de enguias acabadinhas de sair das águas do Luena ou, por vezes, sardinhas de barrica. Igualmente recordo os caçadores de serpentes, que, pela noite dentro, as conduziam para nobres sessões de encantamento. Não incluo aqui aquele que, por cima da jibóia, em pleno mato, pensava sentir o pulsar de um tronco animado! E aquela história do célebre caçador que queria caçar veados atraindo-os com garrafas de wisky!?. É verdade que não caçou nenhum, mas que prometeu fazer-lhes a barba, lá isso prometeu! E aqueloutro que quis dar lições de caça ao jacaré com granadas de mão e ia sendo engolido pelas águas do rio Lume!? Outras histórias de caça não faltam, não fossem os nossos personagens caçadores exímios. A prova disso é que um vasto grupo de caçadores de elite e na posse de armas sofisticadas organizaram uma caçada em que conseguiram gastar um cunhete de balas (cerca de quatrocentas) atirando sobre uma enorme manada sem que um único animal tenha sucumbido. Para cúmulo deixaram enterrar os unimogs em que seguiam, tendo ficado cativos de si próprios e da sua ineficácia durante três dias. Passaram fome de rato! Sim, porque se a fome é de três dias, foi isso mesmo que lhes aconteceu. Tudo se passou, em pleno mato, a cerca de duzentos quilómetros da localidade mais próxima. E mais não foram os dias de cativeiro porque os seus amigos e familiares ao registarem esta ausência prolongada montaram toda uma operação de resgate que culminou em sucesso.
Por último, recordo a aventura de um conhecido pára-quedista, armado em piloto, que levantou voo num camião Mercedes e foi aterrar sabiamente na varanda de um prédio. Lembrais-vos certamente!
Pois é, meus caros, a passagem foi curta, mas suficientemente longa para que esse outro mundo novos mundos ao mundo desse e que permitirão a outras gerações ter outras memórias de outros tempos.
Até sempre!

P.S.: Não quero o documento assinado


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Esta musiquinha para recordares

2 comentários:

Anónimo disse...

Clica em "Esta" para ouvires a musica
Jorge

JMOV disse...

Bem-vindo a este espaço, meu caro amigo. E de que maneira te apresentas. De tantos que passamos por essa terra, esta é uma recordação muito grata. Lembrares aqui a laika, a caçada em que alguém ficou algures perdido no mato, até ao voar de uma camioneta, para se ir empoleirar na varanda, tudo isso e muitas, muitas outras estorias haveria para contar, mas ficas desde já convidado a trazeres até todos nós mais destas recordações.
Já agora e porque aqueles que não passaram por lá podem ter ficado com alguma dúvida, deixa-me esclarecer quem era a tal laika.
Pois é, não foi aquela cadela que pisou a lua, mas de esperta leal e companheira tinha tudo o que se possa pedir a um cão. A laika era a nossa cadela. uma cadela que entendia o português, assim como os dialectos, umbundo, kimbundo e kioco. Percebia bem a palavra kuata. A sua posição junto dos seus donos, dava a entender a quem estava presente que estava ali para que ninguém tocasse nos seus donos. Que o diga o amigo alentejano da GR,"o Brás", que só pelo facto de ter dado uma palmada nas costas, imediatamente sentiu os dentes dela nas pernas.
Mas a Chicala e as gentes que da Póvoa lá viveram fforam testemunhas de muitas e muitas outras peripécias.
As tuas três noites no meio do mato, onde do outro lado do rio se ouvia o batuke dos homens de Savimbi, deveriam ter sido assustadores. Mas também aquela caçada em que uma palanca arrojada corre contra o unimog e só com uma rajada de G3 é que ela resolve mudar de direcção, ou ainda aqueles jogo de futebol em Cangumbe, quando um dos elementos caiu da camioneta e por lá ficou, à espera que viesse outro carro, porque não se podia parar, etc. etc. etc.
Por todas estas e muitas mais recordações, Obrigado.
teu amigo
Jorge

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