quinta-feira, março 29, 2007

DESAPARECIMENTOS MISTERIOSOS



Decorriam os primeiros anos da década de setenta do século passado quando ocorreu, nesta terra que é a vossa, um verdadeiro mistério, qual triângulo das Bermudas. Sem deixar qualquer rasto, as galinhas desapareciam, de forma sistemática e em grande número, dos caminhos por onde vagueavam, das capoeiras e de um pouco por todo o lado. Perante a ausência de vestígios, tornava-se, assim, impossível determinar o agente causador de tal desgraça. É certo que eram vistos por essas bandas, de vez em quando, umas raposas, umas doninhas e uns rapazolas, mas não mais que isso. Quanto às raposas e às doninhas, obrigatoriamente deixariam vestígios. Quanto aos rapazes, se bem que no grupo houvesse uns quantos magarefes, outros havia que eram, verdadeiramente, insuspeitos. Neste contexto, como desvendar o mistério?
Após uma exaustiva investigação de cerca de quarenta anos, eis-me, pois, a fazer-vos a apresentação pública e conclusiva de tal trabalho.
Efectivamente, desapareceram, nesse período, 1429 galináceos, pertencentes a diferentes proprietários, com especial relevo para os que moravam no fundo do povo. Tal ocorrência nunca foi participada às autoridades, não se sabendo bem porquê. Talvez porque os visados estariam na dimensão do sucedido – mistério. De facto, e segundo apurei, não se tratava de mistério, mas sim de um misterioso ritual de sacrifícios às divindades.
Ora, não querem saber que esses rapazolas de que atrás vos falei eram reencarnações de povos que habitaram esta região!? Pois, eram isso mesmo! Seguiram os mesmos princípios, usaram as mesmas técnicas, por vezes, os mesmos materiais e até os mesmos locais de culto.
Desta forma e a bem da comunidade, arquitectaram formas ardilosas de diminuir os efectivos dos galináceos, controlando a espécie e acalmando os espíritos. Afinal, um gesto verdadeiramente altruísta e louvável, a todos os títulos. Grandes rapazes! Que a memória os perpetue!
Sem nada fazer para tal, certa noite, fui convidado para assistir a um único desses rituais e confesso-vos que me senti lisonjeado por participar em tão nobre manifestação de amor ao próximo.
Essas benditas aves foram sacrificadas, em nome de um Deus maior que as suas próprias vontades individuais e colectivas.
Quem eram os sumo-sacerdotes, não vos vou divulgar, mas eram gente boa, séria e honesta. Claro que eram! Quanto aos outros, esses até seriam capazes disso. Coitados dos rapazes! Em nome da sua fé, tudo faziam e a tudo estavam dispostos. Não eram cruzados, mas que o faziam, muitas vezes, atrás do cruzeiro, lá isso era verdade. Quanto não lhes custaria! Olhem que era tarefa penosa, sim porque de penas se tratava! E olhem que algumas eram bem difíceis de depenar!
Com estas genuínas manifestações de culto, com todos estes rituais e sacrifícios, estou certo que os que faleceram estão em bom lugar e outros para lá caminham ou Deus não fosse misericordioso.

Anónimo

1 comentário:

JMOV disse...

Esses foram bons tempos, meu caro amigo anónimo. Também participei num ou outro churrasco, mas o melhor foi uma desgramada que nem depois de ter ficado sem a cabeça, se queria deixar depenar. Fazia bastante frio nessa noite, porque estava uma grande nevada, e ao contrário de todas as outras, essa foi assada em casa. Lembro-me que provávelmente os mais velhos da casa deveriam ter desconfiado da marosca, porque nunca mais se iam deitar. Depois de estarem na cama, não é que o galinaceo, sem cabeça e já dentro do pote da água quente resolve saltar de lá para fora e ir pedir ajuda para a sala, batendo desalmadamente as asas?
Que é isso? alguem gritou do quarto.
Nada, nada.
Passado alguns tempos, umas unhas foram cravadas nas orelhas de alguém, para remissão dos pecados.
As multas, essas foram duradoiras.

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