Foi no dia 23 de Dezembro de 1956
Eu nem queria acreditar
Chegou às minhas mãos
O alvará para ir trabalhar.
Abri e li, o lugar era Alhões
Junto às portas de Montemuro
Estava realizado um sonho
Uma porta aberta para o futuro.
Lá parti de madrugada
Pelos meus pais acompanhada
Atravessando vales e outeiros
Calcorreando caminhos e carreiros.
Íamos perguntando
À senhora Maria e ao senhor Manuel
Onde ficava a povoação
Cujo nome eu levava num papel.
Chegámos à Gralheira
Bem no alto da serra
Já íamos muito cansados
Mas nem sinais da dita terra.
Parámos um pouco
Quase sentados no chão
Aí nos aparece um padre
Que nos deu a seguinte indicação:
Cinco quilómetros mais
Estão em Alhões, perto de Tendais
É uma terra de gente trabalhadora
É o primeiro ano que lá têm professora.
Ficaram admirados
Quando cheguei à escola
Pois já lá estava há uns dias
Outra professora.
A escola era nova
Em primeira mão
E a professora era
De Santa Comba Dão.
Eram muitos alunos
Dos sete aos dez anos
Fizemos duas turmas
Sem chatices nem enganos.
Estavam todos matriculados
No primeiro ano escolar
Uns eram pequenitos
Outros já queriam namorar.
Todos nos respeitavam
De igual maneira
E cada um tomava posse
Da sua carteira.
Alguns alunos fizeram dois anos num
Mas sem passar de classe
Não ficou nenhum.
Trabalhei muito
Não ensinei só português
Ensinei matemática e preparei lições.
Fizeram também teatro
E aprenderam canções.
Durante todo o ano
Vivi num quartinho
Onde só cabia a mesa, a máquina de petróleo
A cama e um banquinho.
Foi-me cedido pelo senhor Regedor
Homem honesto e honrado
Era a autoridade máxima
Lá no povoado.
Fiz muitas vezes a pé
A viagem referida
Tive maus e bons momentos
Que nunca esqueço na vida.
Um dia eu e o meu irmão
Fomos atacados por um cão
Que guardava os rebanhos
Na serra da Gralheira
Livrarmo-nos deles, não havia maneira.
Logo apareceu o pastor
Que calmo como era
Sem grande esforço
Acalmou a fera.
Passados 52 anos
Cá estou eu
A recordar algo
Que nunca se esqueceu.
Lucília Alves
Póvoa, 10 de Julho de 2007
1 comentário:
52 anos se passaram, mas as recordações não morreram.
Acredito que tenham sido tempos muito difíceis, pois não nos podemos esquecer, que ainda não há muitos anos todas as aldeias se encontravam praticamente isoladas, sem qualquer meio de comunicação viário, pelo que o único meio para lá chegar era a pé ou a cavalo.
Também vivi essa experiência, (numa outra dimensão), pois tinha apenas 6 anos, quando a minha irmã mais velha ficou colocada numa aldeia perto de Castro Daire, (S. Joaninho) e aí fiz toda a minha instrução primária. Recordo-me que tudo era muito difícil. Ao Sábado terminadas as aulas por volta das 12H00, preparava-se alguma coisa, e lá se vinha a pé subindo dois montes, e atravessando dois rios, até Colo de Pito, onde se apanhava a “carreira” até Penude, Sucres ou Matancinha, conforme o tempo e o caudal do rio, nos permitia atravessa-lo, para depois se subir, por Quintela, pelo boucal, ou pelo soito até à Póvoa.
Foram realmente tempos, de dificuldades, mas talvez muito mais compensatórios que hoje.
O reconhecimento passados todos estes anos, por parte de ex-alunos e pais é motivo mais que suficiente para continuarem a sentir orgulho na profissão que abraçaram, e tão bem souberam levar até ao fim. Muitos quadros de empresas e outros, começam por vos dever a vós, primeiros mestres, aquilo que hoje são. Por isso dificilmente nos esqueceremos do (a) nosso/a primeiro/a professor/a . Podemos não saber quem foi este ou aquele professor que tivemos durante o resto do tempo, mas o primeiro foi realmente aquele que mais nos marcou.
Nos tempos que correm, em que cada vez mais os professores são tão mal tratados, quero também eu aqui deixar o meu reconhecimento e o meu agradecimento a todos os professores de ontem e aos de hoje pela coragem que tem tido, de tudo darem em prol da cultura, mesmo com tantos ventos contra.
A todos os professores e ex-professores deste pais o meu obrigado.
Jorge Venâncio
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