domingo, maio 11, 2008

CONTRACAPA

Bocas da reacção

Seis anos volvidos sobre a sublevação do PAIGC na Guiné Portuguesa - assim se chamava na altura - encontrando-me como militar em Lisboa, já a bordo do N/M Niassa, para partir rumo a essa província, integrado num contingente de rendição, o Sr. Ministro do Exército, subiu a bordo, e no salão nobre desse navio discursou às suas tropas. Desse discurso, dirigido especialmente a milicianos, retive o seguinte:
- Exorto-vos a que sejais cuidadosos e pratiqueis os ensinamentos que vos foram ministrados, porque isto é uma guerra só operada por milicianos, sendo deles portanto, as principais consequências.
Educados que fôramos desde a nascença num forte nacionalismo, amor à Pátria e homenagem aos seus heróis, seus governantes e seus símbolos, não podia esta juventude regatear - embora excepcionalmente muitos jovens, principalmente filhos dos maiores beneficiários do regime, tenham cobardemente fugido (à guerra) para países estranhos - dizia eu, não podiam estes jovens regatear esforços na defesa do seu território, mesmo que plenamente conscientes dos perigos que corriam as suas vidas.
Era no entanto realmente uma guerra de milicianos, administrada do interior de gabinetes - de "ar condicionado" - por profissionais do quadro permanente, com várias comissões assim cumpridas, e motivações bem diferentes.
Por uma questão corporativa, por motivo de uma medida administrativa que o governo tomou, tentando atrair milicianos regressados do ultramar ao quadro permanente, aqueles profissionais sublevaram-se (em 25 de Abril) traindo a ideologia "ditatorial"que, anos e anos tinham alimentado e ensinado a muitos contingentes de mancebos recrutados para o serviço obrigatório e confiados aos seus comandos e ensinamentos; traindo ainda o estado"ditatorial" que lhes pagava, a quem tinham servido de esteio (sim, porque ninguém consegue ser ditador sem um forte esteio) e a quem deviam obediência.
Qual a legitimidade e autoridade democrática da interpretação, por aqueles militares, de que o povo queria mudar de regime ou de que o quereria através de um golpe de estado seguido de revolução?
Em retrospectiva, não gostei da humilhação e extradição do nosso primeiro-ministro de então, o tal das afáveis conversas em família – e que os nossos irmãos brasileiros receberam de braços abertos.
Não gostei do abandono das províncias ultramarinas à sua sorte, com o consequente êxodo quase total dos brancos “europeus” atónitos e atordoados de medo.
Não gostei da delapidação e degradação das suas riquezas, muitas eventualmente enterradas nas próprias casas na esperança de um dia poderem voltar.
Não gostei da estropiação e morticínio atrozes a que o abandono conduziu, numa luta fratricida sem precedentes.
Não gostei da degradação das modernas cidades ultramarinas.
Aqui na metrópole, não gostei da febre das nacionalizações ou das ocupações selvagens.
Não gostei da destruição da nossa economia com o corte abrupto do nosso tecido produtivo e comercial; de lembrar que tínhamos uma forte marinha mercante (incluindo muitos e grandes paquetes de luxo) e uma companhia aérea que rivalizavam com as melhores, e estavam principalmente vocacionadas para as nossas relações com a África portuguesa, e que, a seguir ao 25 de Abril tiveram como única actividade durante anos, o transporte de pessoas e bagagens de retornados, em fuga desesperada.
Não gostei da perseguição, extradição ou fuga dos nossos empresários.
Sabemos como estamos, com todas as vicissitudes do 25 de Abril, mas não sabemos se seria possível e como, uma gradual transição democrática – eventualmente já em curso nessa altura – e uma autodeterminação das províncias ultramarinas, sem a consequente devastação por lutas fratricidas, provocadas pelo abandono e fuga “irresponsáveis” da tutela.
Pode muito bem ser, também sobre esta perspectiva que se conduza a análise histórica do 25 de Abril, mesmo sem colar ainda ao período pós revolucionário, o desmembramento das famílias, a expansão do consumo e tráfego de drogas, da sida, da insegurança e do aumento desmesurado da criminalidade.
Não é no entanto sob estas perspectivas históricas que, os já lendários “históricos” oficiais que ainda assistem de cravo na lapela às comemorações de Abril – possivelmente mendigando reconhecimento e mitigadas palmas – induzem a que seja analisada a história.
Os nossos jovens devem aprender história - e com certeza que até gostarão – mas deve ser-lhes ensinada com toda a verdade, sem ocultação de qualquer perspectiva.
Para muitos dos nossos jovens e até para muita gente adulta, o 25 de Abril deu-se para depor Salazar, quando afinal Salazar, havia já 5 anos, nos “olhava em repouso eterno, do outro lado do mundo”.
Tal é a mistificação!
Parece-me que nem o Estado Novo era simplesmente o que se tenta retratar num “ballet rose”, nem este estado democrático pode ser retratado sem os processos pedófilos que me parece colarem-se-lhe como feijão carrapato, ou como os cravos vermelhos distintivos da revolução.

Tonho D’Adélia

1 comentário:

Anticristo disse...

Eis aqui expressa a verdade das verdades que o actual regime e as suas corporações continuam a pretender negar. Entendo que África é dos africanos e estes que se entendam e se governem sem a ajuda de terceiros e muito menos sem a exportação de tudo o que têm de pior. Quanto aos nacionais, retornados ou deportados, também é deles este pequeno espaço e também eles contribuiram para o seu engrandecimento. O país não soube ser justo para com aqueles que fielmente o serviram. Espero que rapidamente acabem com as festanças do 25 de Abril porque são um autêntico engano ao povo português. Compreendo que estes ilustres não caibam no 10 de Junho mas reserve-se-lhes um tempo e um espaço diferentes, talvez a ilha das Paixões e das Traições. De facto, esta gente é apaixonada pelos seus interesses e não se importam de trair seja quem for para os conseguir. Penso que o seu juízo jamais terá lugar e a história jamais os lembrará.

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