quarta-feira, abril 23, 2008

Tempos que já lá vão!...

Década de 50, anos de Jac e Pré-Jac, com suas fardas azuis nas raparigas, e pretas e brancas nos rapazes - e que lindas que elas eram!... E que beleza conferiam às procissões, tão abundantes naqueles tempos!
Com excepção das pessoas da vila de Arneirós, mais ligadas à indústria de calçado, toda a minha gente participava em todos os actos religiosos da sua igreja matriz.
Do lado direito do presbitério, junto ao altar mor - em lugar de honra, cuja deferência nunca percebi, mas que concerteza reflectia alguma "complacência" com o situacionismo do tempo - estava sempre o Dr. Justino com seu genuflexório e cadeirão particulares, forrados a vermelho.
Ainda no presbitério, ao centro, o padre e dois acólitos, que, da sacristia, eram eventualmente assistidos por outros.
Ao longo da nave central da igreja estava o povo "anónimo", com homens à frente e mulheres atrás, de cabeças cobertas com lenços e véus.
No coro, participavam, entre outros, os Porteladas, os Calzinhas e os Amorins, de mãos levantadas fazendo de cabides aos chapéus, de cabeça inclinada à Direita, entoando com seus fortes vozeirões:

"Queremos" Deus homens e "gatos"
Oh Pai Supremo Redentor
Zombam da fé os insensatos
Erguem-se em vão contra o Senhor.

Eu apurava o ouvido para tentar perceber o sentido daqueles versos!... Eles repetiam:

"Queremos" Deus homens e "gatos"
Oh Pai Supremo Redentor
Zombam da fé os insensatos
Erguem-se em vão contra o Senhor.

Continuei durante muito tempo sem perceber, achando porém que eles também não.
O guarda-vento, policolor, irradiava uma multicor luz difusa, que compunha agradavelmente todo o quadro.
Desde os cânticos e rezas em latim - de bela sonoridade - que todos cantavam, mas ninguém percebia, até aos gestos e rituais que compunham o cerimonial, tudo oferecia um aliciante quadro - se bem que polvilhado de sacrifício - para crianças curiosas, à descoberta do mundo.


Zé Macário

terça-feira, abril 15, 2008

DIGRESSÕES LINGUÍSTICAS ACERCA DA PALAVRA “CÔNGRUA”


Por ocasião da Páscoa, ocorre o costume de em várias Paróquias se recolher a “Côngrua Paroquial”. Por falta de conhecimento da origem da palavra, aparecem popularmente as pronúncias de “congra”, “côngora”, “côngura” e outras. Tudo são corruptelas da palavra certa, que é “Côngrua”. O fenómeno é curioso, faz parte das “metamorfoses” da nossa língua materna, que sendo um ser vivo, nasce desenvolve-se e não é imortal.
Não cremos, porém, que seja para breve a sua extinção e, a morrer, será das últimas. Mas a verdade é que nas próximas décadas, calcula-se que mais de metade das línguas existentes no planeta venham a desaparecer, sobrevivendo apenas de futuro as mais faladas no mundo. Por aí, a nossa aguentar-se-á com ou sem o acordo ortográfico, que firmado por motivos políticos, é certo, e não por razões linguísticas, tem em vista a sua maior afirmação no mundo, tornando o Português a língua dos 200 milhões de falantes.
Mas voltemos ao nosso tema. Em latim, denomina-se por “congrua sustentatio” aquilo que se atribui ao sacerdote, com munus pastoral, para a sua sustentação adequada (côngrua sustentação). Para simplificação do significante, um efeito da “lei do menor esforço”, acaba por se suprimir a palavra sustentatio (sustentação) e usa-se apenas a palavra “congrua”. Passa-se um fenómeno de substantivação do adjectivo. Algo semelhante se verifica, por exemplo, na palavra “caldo” que vindo do latim “cibum calidum” (alimento quente) se substantivou, para se designar simplesmente por “caldo” (à letra, o quente).
Importa referir que a Côngrua faz parte dos bens temporais da Igreja. Estes destinam-se a satisfazer três fins legítimos e consentâneos com a missão da Igreja: a realização do culto, a sustentação do clero e as obras de apostolado e caridade. A hierarquização destes fins é arbitrária. A título de exemplo, a conservação dos templos ou o seu restauro insere-se no primeiro dos fins. Mas, dependendo das circunstâncias, se fosse prioritário socorrer os pobres numa necessidade, este último passaria a ser primeiro.
Portanto, o adjectivo qualificativo côngruo, na sua forma de masculino, tal como aparece em verbete do dicionário, tem como sinónimos entre outros: condizente, adequado, proporcionado, apropriado, ajustado, decoroso, congruente, honesto, digno, etc. Devo manifestar a minha admiração e reconhecimento a tantos, e são tantos os fiéis, que sem saberem a origem da palavra (para eles é absolutamente indiferente) conhecem e testemunham, com o sentido preciso de gratidão e justiça para com a Igreja, o valor daquele donativo que sempre foi voluntário e nunca foi “imposto”. Se o fosse, perderia a congruência e enfraqueceria a justiça, porque esta nem sempre consegue ser humana e humanizadora.
E a propósito dos bens temporais da Igreja, os meus amáveis leitores aguardarão ansiosamente as contas finais das obras de restauro da capela. A isso têm direito. O pré-orçamento foi colocado no blog em devido tempo, tal como os pormenores técnicos da intervenção. Logo que a iluminação esteja colocada, (está, de momento, a ser estudada pela Comissão de Arte Sacra Diocesana) de modo a valorizar o tecto e a destacar a sua policromia, última operação a efectuar, aqui mesmo serão divulgadas. Resta-me agradecer a todos os ofertantes e responsáveis pelo empreendimento. Pela minha parte pessoal, apenas me ocorre a passagem do Evangelho, após a missão cumprida, “somos servos inúteis, não fizemos mais do que o que devíamos fazer”.


Pe. Assunção

terça-feira, abril 08, 2008

Restauro do tecto da capela da Póvoa

Citação:

"O poeta é um fingidor
E finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente".



Inicialmente algo apreensivo quanto à execução do restauro do tecto da capela da Póvoa, confesso-me agora maravilhado com a aprimorada conclusão da obra.

Bem sei que há hoje uma extensa gama de podutos capazes de um restauro perfeito... Terá sido executado por pessoal altamente especializado...

Porém, o resultado é espectacular, com calafetagem perfeita, afinação e acerto de tintas magistral.

Tudo respeitou de tal forma a traça, o traço, a tonalidade originais, e a desmaiada policromia gravada pela corrosão do tempo, que tive dúvida de que alguém lá tivesse mexido.

Nada, absolutamente nada, ficou ao acaso ou foi adulterado. Porém, o que mais me fascinou foi a autenticidade conferida à pintura das taliscas e buracos – que eu julgava impossível – que parecem tão autênticos, tão autênticos, que dá vontade de, por entre eles – no escuro da noite – espreitar as pernas da lua, quando ela ali se detém a adorar o Menino.

Ai se não fosse pecado tal acto dentro da capela!...

Não fora a vergonha e, incrédulo como S. Tomé, teria a tentação de os ir tactear ( os buracos e frinchas) com os meus dedos, e confirmar se são realidade ou pintura.



Zé Macário

sexta-feira, abril 04, 2008

Correu há alguns meses atrás, na comunicação social, que os bispos portugueses levaram uma "puxão de orelhas" de S. Santidade, pelo decréscimo da prática religiosa em portugal.

Correu também, posteriormente, que o Papa aconselhava ou impunha, ( não sei bem) que as homilias não se prolongassem, por mais de dez minutos e versassem exclusivamente sobre passagens das escrituras Sagradas.

Passaram já mais de 40 anos depois do Concílio Vaticano II, sem que as doutrinas dele saídas - e que foram entusiásticamente recebidas pela juventude católica de então- fossem implementadas principalmente no que diz respeito a uma efectiva e responsável participação dos leigos na vida religiosa das respectivas comunidades; Os leigos continuaram simples ouvidores das prédicas da sua hierarquia ou serventuários do pensamento desta.

Sente-se já a necessidade de convocação de novo Concílio, com novas orientações, face às velozes transformações sociais que o mundo sofreu, sem que tenha havido uma efectiva prátia do que foram as orientações do Concílio Vaticano II.

Por isso me parece razoável o aludido "puxão de orelhas", vindo aliás de alguém que pela sua firmeza, há muito me habituara a admirar.


Queixam-se os nossos prelados da CEP, de estarmos perante um estado militantemente ateu. Porém, poderemos perguntar nós, onde e quando convocaram eles as suas "hostes" para responder de forma militantemente religiosa, travar os desmandos do estado, e fazer valer princípios da nossa doutrina?

Recordo que a seguir ao 25 de Abril de 1974, essas "hostes" responderam prontamente ao apelo da sua hierarquia, vindo a combate, pela reposição da sua Rádio Renascença, repondo-a em funcionamento e com maior vigor, quando se encontrava eminentemente perdida. Sim, faltam "Generais", no combate e, de mansinho, mansinho a crise de valores está aí bem instalada, tendo já ferido de morte o sistema de educação nas familias e nas escolas e com ele toda a sociedade.

As conversas são como as cerejas, e por isso, me alonguei neste artigo, pois só pretendia falar de uns dias de férias Pascais que tive na Póvoa e em que mais assíduamente assisti a algumas homilias em diferentes comunidades locais pequeníssimas, onde em alguns casos, os oradores se perderam em elogios e louvaminhas "puéris" sem aparente razão, a alguns elementos da comunidade, sem se aterem - como recomendou o Papa - às Sagradas Escrituras.

Ora, eu parece-me que qualquer distinção elogiosa, de
exaltação de um qualquer elemento da comunidade - sendo de interpretação subjectiva- tem como reflexo a humilhação de todos os elementos não exaltados; para além de que não devem as homilias ser o atribuir de "medalhas" ou uma "passerelle" de vaidades. No entanto, pode ser uma forma- e isto também acontece - de fazer chamamento à reciprocidade do elogio; Quando eu era muito menino, a brincadeira de que mais gostava, era fazer altos elogios à montanha para que ela me devolvesse o eco.

Isto porém, não vale a pena, até porque a realidade para cada um, não é a que outros tentam transmitir-lhe ou a que é captada pelo seu sistema sensorial, é antes o fruto sintético do labor interpretativo do cérebro, dos elementos captados. Como diria Nietzshe, não há factos, só interpretação de factos.

Na mesma linha e para terminar. Sinto saudades do tempo em que os sacerdotes, quando se dirigiam à comunidade, o faziam designando-a sempre de "Caríssimos irmãos"; Hoje parece terem aprendido com os políticos- o que é um péssimo exemplo- e dirigem-se às eminências, exelências, senhores presidentes, senhores doutores, senhores professores, minhas senhoras e meus senhores !...

Enfim, perdi estatuto. O mundo pula e avança.

Ass. Zé Macário

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Iniciado em 2005, este blogue cumpriu em parte, aquilo para que tinha sido inicialmente projetado. Com o decorrer do tempo e tal como n...