terça-feira, outubro 31, 2006

História e religião na Póvoa(Algumas curiosidades)

1. Religião.

Quando na passada festa de N.ªSª. do Pranto, em Agosto passado, eu contemplava a alegria, a edificação e o aprumo com que as pessoas se incorporavam na procissão, tive a curiosidade de procurar se havia algo escrito sobre procissões na Póvoa. As bem conseguidas fotos, gentilmente cedidas para publicação no blog, são disso também testemunho. E na verdade, folheando o volume n.ºV do historiador Dr. Manuel Gonçalves da Costa em História de Lamego, na pág. 496, encontra-se o seguinte:
A 18 de Maio de 1718, o cabido da Sé deliberou aumentar as prebendas aos ministros que fossem aos actos da solene procissão e missa cantada nas antiquíssimas romarias solenes de S. Domingos e de Santa Cruz da Póvoa. É de salientar aqui a referência às duas romarias em conjunto, a de S. Domingos (de Fontelo) e da Póvoa (de Vila Nova de Souto d’El-Rei), o que leva a crer que na Póvoa se realizavam procissões muito concorridas e de grande solenidade, nesta data.

2. História.

Porquê e desde quando o nome de Vila Nova de Souto d’El-Rei?
Na Grande Encicloplédia Portuguesa Brasileira aparece este nome como sendo o nome oficial desta freguesia. Arneirós, embora não oficial, continua, no entanto, em pleno uso. Mas o início desta nomenclatura é-nos explicado pelo mesmo historiador citado. El-rei D. José em 25 de Março de 1769 fez mercê a João de Almada e Melo “do lugar de Arneirós erigido em vila, servindo-lhe de termo a sua freguesia e mudando-lhe o nome para Vila Nova de Souto d’El-Rei” (Vol.VI, pág.11)
Como as notas devem ser breves, para se lerem mais facilmente, ficarão para uma próxima oportunidade outras curiosidades.

P. Assunção
31 de Outubro de 2006

segunda-feira, outubro 30, 2006

Conto de uma noite de nevoeiro

Estava-se no final de Outono. A natureza vestira-se a rigor com um visual naturalmente sombrio e melancólico. As árvores, arbustos e outras espécies vegetais, haviam-se libertado de toda a folhagem abandonando-a à sua própria sorte, mas logo o vento a dispersava pelos matagais e caminhos, onde se acumulava em fartos montes e lentamente se decompunha. Agora transformada, transfigurada e adormecida no tempo, a vegetação esperava resignada a implacável e impiedosa dureza do gelo, que se aproximava; pois assim o determinava o Inverno, que tão próximo estava; o que imprimia à paisagem um dramatismo comovente.
A luz gradualmente despedira-se do dia e dera lugar à noite, uma noite cerrada, escura, carregada de um tão denso nevoeiro, que impunha respeito, quando Luís Duarte (meu pai), - o herói desta aventura - se fez ao caminho solitário, de Ribablida para a Póvoa completamente sozinho, tendo apenas por companheiro o seu próprio pensamento, seguindo por trilhos e atalhos muito pouco recomendados para aquela hora da noite.
Vinha de casa do Pedrinho um amigo de longa data, contando ainda aproveitar duas ou três horas nocturnas para esticar o corpo no humilde aconchego de casa; o que até já nem seria muito mau, se não fosse o facto de ter de o fazer sobre um já muito velho colchão de palha, que mais moía os ossos que os reconfortava.
A noite convidava a imaginação a um quase devaneio fantasmagórico; contudo o nosso caminhante lá ia somando km após km sem se deixar vencer pelo medo; tanto mais que já não era a primeira vez que o fizera.
Porém algo veio perturbar a sua determinação de prosseguir o caminho. A cada passo que dava, sentia que algo o acompanhava.
Mas o quê?!...nada se via, nem um só palmo de terra à frente do nariz. Então, pensava:
-Não devo estar doido?!...e de resto, quem me acompanharia a esta hora ocultando-se de mim?! Bem, o melhor é pensar que dentro de poucas horas estarei debaixo das mantas! - e lá continuou a caminhada não muito conformado com a situação contudo cada vez mais convencido de que não ia só.
Às duas por tês, as pernas deixam de obedecer-lhe…tremem e flectem em todas as direcções.
Mais uma vez o nosso herói se interroga sobre as causas do seu medo e não encontrando justificação visível, resolve continuar a sua saga, jurando que voltaria a casa custasse o que custasse…
Deu meia volta, e algo reproduziu o seu gesto.
-Porra! - diz para os seus botões - sim, porque nem se atrevia a emitir qualquer palavra de forma que se ouvisse. De repente, num impulso inesperado e corajoso, sai-lhe da garganta uma mal balbuciada e trémula frase:
-Quem está aí?!- não teve resposta.
Definitivamente convencido de que algo avançava com ele na calada da noite e inseguro como ia, virara-se para trás instintivamente e repetidas vezes no intuito de desvendar o mistério, mas qual quê, nem a ele próprio se via, tão medonha e negra aquela noite era!
Apavorado, dirige a Deus um fervoroso pedido de protecção.
Por alguns instantes pensou que se libertara daquele pesadelo, mas não… e foi apenas quando por fim chegou a casa, que esclareceu todas as suas dúvidas, ao desvendar com grande espanto quem era afinal a sua invisível mas fiel companhia.
Não ganhou para o susto… que alívio!... Era um corpulento cão de guarda do Pedrinho, que muito bem conhecia o amigo do seu dono e obedecendo ao instinto natural, acompanhou-o. Luís nem queria acreditar no que lhe acontecera naquela noite.
Em troca do bom serviço prestado, o nosso protagonista passára-lhe uma, duas e mais vezes as mãos pelo dorso, orelhas e focinho repetindo vezes sem conta estas palavras:
- Ai, eras tu?! Pelo menos dizias alguma coisa!…
O cão parecendo compreender bem o discurso e o alívio do passeante da noite, ladra em tom moderado e levanta as patas dianteiras à altura do peito de Luís num gesto comovente. Por momentos fica imóvel, deixando-as depois deslizar até tocarem a soleira da porta. O animal dá meia volta e logo desaparece no denso nevoeiro e na escuridão da noite.

Esta é mais uma das várias histórias vividas e contadas pelo meu muito estimado pai que Deus tem.

Cacém, 23/10/2006 Celeste Gonçalinho Oliveira Duarte

Editorial do "Arauto d`El-Rei"

Editorial do “Arauto d’El-Rei”

Sim à vida: não à morte

A informação sobre a voz da Igreja acerca dos vários problemas que afectam a vida da nossa sociedade nem sempre chega com a frequência que seria de desejar. Aos fiéis caberá também procurá-la com mais avidez e regularidade.
Para que não falte a informação devida, em ordem à formação das consciências, aqui fica o contributo do nosso jornal, divulgando a Nota Pastoral do Conselho Permanente da Conferência Episcopal Portuguesa sobre o referendo ao aborto.

1. “A Assembleia da República decidiu sujeitar, mais uma vez, a referendo popular o alargamento das condições legais para a interrupção voluntária da gravidez, acto vulgarmente designado por aborto voluntário. Esta proposta já foi rejeitada em referendo anterior, embora a percentagem de opiniões expressas não tivesse sido suficiente para tornar a escolha do eleitorado constitucionalmente irreversível, o que foi aproveitado pelos defensores do alargamento legal do aborto voluntário.
Nós bispos católicos, sentimos perplexidade acerca desta situação. Antes de mais porque acreditamos, como o fez a Igreja dos primeiros séculos, que a vida humana com toda a sua dignidade existe desde o primeiro momento da sua concepção. Porque consideramos a vida humana um valor absoluto, a defender e a promover em todas as circunstâncias, achamos que ela não é referendável e que nenhuma lei permissiva respeita os valores éticos fundamentais acerca da Vida, o que se aplica também à lei aprovada. Uma hipotética vitória do “não” no próximo referendo não significa a nossa concordância com a Lei Vigente.

2. Para os fiéis católicos o aborto provocado é um pecado grave porque é uma violação do 5.º mandamento da Lei de Deus, “não matarás”, e é-o mesmo quando legalmente permitido…
Não podemos pois deixar de dizer aos fiéis católicos que devem votar “não” e ajudar e esclarecer outras pessoas sobre a dignidade da vida humana desde o seu primeiro momento… (Lisboa 19 de Outubro de 2006)

Obs: (Devido à exiguidade do nosso jornal, publicar-se-á a segunda parte desta nota no próximo número)
Uma coisa está clara: os responsáveis da Igreja já se pronunciaram. Os católicos já sabem o que lhes compete decidir, se a sua consciência está bem formada.


Padre Assunção (Pároco)
Vila Nova de Souto d’El-Rei, 29 de Outubro de 2006

sexta-feira, outubro 27, 2006

Desde há vários anos que estou sendo, e continuo a ser, lenta e progressivamente decepcionado com alguma hierarquia eclesiástica católica.
Se dos políticos em geral, tenho profundamente impressa uma tão má imagem, que nenhum conseguiria já decepcionar-me, já da hierarquia eclesiástica ou militar, eu considerava como fiéis e inabaláveis depositários de honoráveis valores sociais éticos, morais etc.
Não gosto de ver padres como residentes de programas televisivos de entretenimento, enquanto deveriam estar ao serviço dos seus paroquianos, tendo com certeza por lá muito que fazer, e sendo – assim o penso – a base causal da sua ordenação.
Não gosto de ver padres continuamente focados por câmaras televisivas em tudo quanto é festa ou passatempo do jet sete, pois julgo ter sido outra também a causa da sua ordenação .
Não gosto que membros cimeiros da hierarquia eclesial, troquem epístolas em jornais, com adversários ideológicos, ateus ou agnósticos, exibindo – quais pavões ou perus, de penas enfunadas – os ares da sua intelectualidade.
Não gosto de ver ” mitras sentadas “ em altos cadeirões ao lado do poder político principalmente quando este é, na sua génese, ideologicamente antagónica.
Não gosto que haja aceitação de oferta de avião estatal, para, em viagem ao Vaticano se fazer uma simples, fátua, e efémera promoção de imagem.
Porém, e principalmente, não gostei de ouvir dizer a alto responsável clerical, que a questão da liberalização do aborto não é uma questão religiosa.
Não sei quais as aladas formas modernas de transporte até ao pináculo do templo, de onde se pode ver e cobiçar o mundo com todas as suas riquezas e miragens, porém uma coisa eu sei – e aqui parafraseio o título de uma conhecida crónica - : não há almoços grátis.
Observo na sociedade portuguesa, ter-se desenvolvido uma autentica barbárie na subversão de valores, que vão desde a corrupção, promoção e desenvolvimento da poligamia, da paneleiragem ( moderna e pomposa homossexualidade), da promiscuidade sexual, da pedofilia, toxicodependência, com o consequente disparar do desenvolvimento de doenças sexualmente transmissíveis, entre as quais a temida sida.
São também notícias frequentes, novas formas de esclavagismo migrante (principalmente sexual) e tráfico de órgãos humanos.
Somando a tudo isto a terrível degradação da justiça.
Não me interessa aqui analisar as riquezas e altos negócios desenvolvidos e alimentados por estes desvalores, por me preocupar antes com o cortejo de vítimas que, desgraçadas, ficam pelo caminho.
Se tudo isto tem tido o olhar complacente dos políticos, parece-me ter tido também o silêncio – cúmplice ou não – da hierarquia eclesiástica
A vivência desenfreada do hedonismo moderno, levará inevitavelmente à queda abismal dos impérios do nosso desenvolvimento e bem estar, tal como historicamente levou à queda de todos os impérios que, no auge do seu desenvolvimento, a ele se entregaram sem reservas.
Com os sessenta e dois anos que tenho de idade, sempre aceitei a catequização do clero católico e sempre acreditei que as “ verdades” evangélicas eram intemporais e que todas as questões aqui invocadas, eram também questões religiosas.
Pelo que, afirmo, que a tal declaração de que a liberalização não era uma questão religiosa, me veio perturbar e confundir o espírito, sobre a verdade intemporal das catequizações que sempre me foram feitas.
Reafirmo que muito me chocou tal afirmação, principalmente pela eminência da sua origem.
Poderá, caríssimos irmãos Bispos – excelsas eminências e excelências reverendíssimas – não voltar a aparecer-vos a crítica contundente de um Erasmo, porém os vossos fiéis nunca irão compreender tanta passividade da igreja.
Apraz-me registar que, logo apareceram outros altos responsáveis afirmando - tal como eu sempre esperara deles – que, sim senhor, a questão da liberalização do aborto é realmente uma questão religiosa .
Espero que estes não se dispersem, e que, em uníssono, ajam em conformidade.
Poderei assim reanimar os créditos que sempre dispensei aos meus líderes religiosos.
Permitam-me que vos exorte a que nos exortem – com o vosso esclarecido exemplo – a seguir o caminho intemporal da verdade evangélica.

Ass: Tonho d’Adélia

domingo, outubro 22, 2006

Histórias de outros tempos

Estava-se em plena época de Natal,
quando à luz de uma velha candeia
se preparava a época festiva afinal,
e ainda uma magra ceia.
entre o crepitar do lume na lareira,
e o borbulhar do azeite na frigideira.

Homem e mulher permaneciam sentados
observando abismados
algo que com regularidade do caniço caia,
mas que mal se distinguia;
o que os deixava perplexos e assustados...

Entre o cozinhar das fritas
que iam ficando douradas e bonitas,
o mistério ia ganhando dimensão,
tomava corpo e proporção...
a mulher não mais se contendo
vira-se para o homem dizendo:
-mas o que vem a ser isto?!
Chove na nossa cozinha, está visto!...

Responde-lhe o homem impaciente:
-acalma-te aí ó mulher,
foi um rato qualquer,
que teve necessidade e urinou
mas de certeza já abalou!...
esquece o que acabamos de ver,
pensa no que estás a fazer.

Mas qual abalar qual porcaria,
se a gota continuava, caia...
e o pior era a paciência que esgotava;
para cúmulo, a mulher só então reparara
no prato das fritas que estava vazio.
O que teria sido feito de tal quantidade de fritas?
Atravessou-lhe o corpo um forte calafrio,
onde estariam as malditas?!...

Arre homem, que estranha coisa esta!...
será que não vejo mesmo nada?!
Estarei cega, ou não teremos fritas na festa,
não teremos consoada?!...
-Bem!...-disse o homem- vê se cairam ao chão!
Ela olhou, mas nada viu, isso não!
-Que diabo por aqui passou,
que nem uma só frita nos deixou?!...

É então que se ouve estranha gargalhada,
no momento em que menos se esperava,
vinha sem dúvida do caniço.
Enquanto o lume ia ardendo mortiço,
o aventureiro, a custo lá ia controlando,
cada gota que ia largando...
e para não cair sufocado
com o fumo ali acumulado,
comprimia firmemente a boca e o nariz...

Outro como ele aventuroso, mas no ofício aprendiz
como relâmpago, do canto da lenha se escapulia
e na sombra da noite se diluia,
levando o saboroso prémio consigo
enquanto o seu amigo,
que teve do seu lado o azar,
nem a cor das fritas conheceu
e muito menos as comeu.
Depois de muito pensar,
conclui não encontrar maneira
para justrificar tão abusiva brincadeira!...

Celeste Gonçalinho Oliveira Duarte
Cacém, 09 /10 /06

sexta-feira, outubro 20, 2006

Preito a Zé Gonçalinho

A Póvoa, como tantas aldeias e cidades deste nosso Portugal, assistiu, talvez ainda antes dos anos 50, à fuga dos seus filhos, para outras paragens, onde a sorte lhes sorrisse.
Não sei muito bem como foram os anos anteriores a 60, mas penso que muita gente teria partido para o Brasil, Africa, e outros, talvez se tenham ficado por Lisboa e Porto.
De entre todos aqueles que partiram, há sempre estórias de uns e de outros, que nos proporcionaram serões em família de grandes risotas e boa disposição.
São algumas dessas estórias de aventuras, que hoje aqui gostaria de retratar, mais ainda quando se trata de uma pessoa, que penso todos terem tido uma grande admiração e estima por ela.
Não posso precisar, em que ano teria saído da nossa aldeia, mas provavelmente muito novo, talvez mesmo depois de seu pai lhe ter oferecido um fato, (penso, ter sido de cotim) que ele deveria estriar no domingo de Páscoa. O facto estava prontinho a ser vestido! O domingo de Páscoa é que não havia maneira de chegar… Bom, mas lá chega finalmente o sábado de aleluia, a noite é que foi a mais longa que ele já tinha passado. Nunca mais chegava a hora de vestir o fato. Ainda o galo não tinha cantado, e já o bom do dono do fato se levantara, vestira o seu fatinho novo e aí vai ele enxada ás costas corgo abaixo, deitar a água às suas lameiras, até que o sino tocasse para a missa. Quando o sino toca aí vem ele de regresso, contente da vida assobiando, não se lembrando que a essa hora da madrugada estaria toda a gente a levantar-se.
Ora nesse tempo as casas não dispunham de WC, e como era uso as necessidades fisiológicas durante a noite eram feitas, para aquilo que hoje todos conhecemos por: “pote” e que depois eram despejados, ainda no silêncio da madrugada, pela janela fora, ou pela porta.
Foi precisamente o que aconteceu. Ainda meio adormecidas, as pessoas não perceberam que alguém vinha àquela hora da madrugada a passar, e como era normal trataram de despachar o conteúdo do pote pela cabeça abaixo do até ai radiante rapaz do fato novo. Muito triste por não poder mostrar o seu fato, lá se refugiou em casa, tentando arranjar uma desculpa para apresentar ao seu pai, uma vez que não tinha ido à missa com o seu novo fato.
Mais tarde vai para Lisboa, provavelmente levado por algum conterrâneo, e começa a trabalhar em Monsanto, naquela que hoje se pode considerar o pulmão de Lisboa. Só que o tempo foi passando, e cada vez havia menos terreno para plantar árvores, e todos os dias começava a haver despedimentos.
Mais uma vez, e como bom católico, começa a pedir a todos os Santos ajuda, para que não fosse ele um dos atingidos pela lista de dispensas. Como recompensa por este favor que os Santos lhe iam fazendo, ele prontificou-se todos os dias a subir e a descer a calçada da Ajuda sempre a rezar. Passara uma semana, e todos os dias havia despedimentos, sem que o seu nome alguma vez tivesse sido mencionado. Convencido que só tinha feito bem em pedir ajuda aos Santos, continuou cada vez a rezar mais, até que um dia, já farto de subir e descer a calçada, sempre a rezar, pensou lá para os seus botões: “ ora, ora, mas porque tenho eu de subir e descer isto tudo sempre a rezar, se eu até nem sou despedido?!, eu só não sou despedido porque sou bom trabalhador. Agora vou mas é assobiar”.
Chegado ao trabalho começa a chamada, para dispensar o pessoal….Pois é nesse dia ele também ficou muito triste, esquecera-se de rezar e foi despedido. Dizia então ele: “porra, porque diabo eu hoje não rezei mais?!...”
Sempre o conheci, como uma pessoa bem-humorada e bem disposta, não gostando que junto dele e por sua causa tristezas se avizinhassem. E a prova disso foram alguns azares que lhe foram aparecendo no caminho, mas que ele sempre contornou com grande sensatez, não contagiando com a sua dor todos os que o rodeavam. Foi o caso de num já longínquo dia 6 de Setembro, quando em Melcões, a sua camioneta resvalou e foi cair num campo. Nesse dia estava combinado ir comer com os seus familiares umas farturinhas a Lamego, pois é!... não foi o caso da camioneta ter caído que o privou de cumprir a sua parte na festa dos Remédios.
Uma outra vez, estava a preparar-se para sair, numa das suas habituais viagens de trabalho, e como era seu hábito lá foi trocar de calçado. Não reparou porem, que um dos sapatos que acabara de calçar, não era o par do outro, e só quando estava sentado à mesa para comer alguma coisa antes de sair, reparou nisso, o que lhe mereceu rápidamente mais uma das suas saidas: “- em nossa casa enquanto houver parte de cima há sempre sapatos…”
Nunca me lembro de ter visto o armazém onde guardava a mercadoria que vendia, fechado, com medo que alguém lá fosse e tirasse alguma coisa. Dizia ele então: “ fica tudo aberto, porque se as pessoas precisarem vêm cá buscar e depois logo pagam.”
Realmente assim era, ou pelo menos ele sempre acreditou que fosse.
No verão a sua casa era o ponto de encontro de novos e velhos. As noites eram passadas a jogar as cartas, que ele tanto gostava, por vezes nem se lembrava de comer para ir jogar, e aí sim… ele não gostava nada de ser interrompido no seu descanso. As pessoas que se tinham esquecido de levar o sal, ou o knorr, ou mesmo o gelado para os netos, vinham sempre em horas menos propícias, pois estava agora concentrado e como tal a um pedido de: “ -Ó Zé, quero….” Respondia ele com o seu bom humor: -Ó tia Maria tire ai e paga amanhã. – Não, eu tenho aqui o dinheiro, respondia ela. – Então deixe ficar aí em qualquer lado – Mas quero troco Zé. – Ó que porra, deixe lá isso e pague antes amanhã…
Ele era assim mesmo….

Jorge Venâncio

terça-feira, outubro 17, 2006

A minha outra estrela perdida

Guardo com indizível nostalgia
a verdadeira serenidade,
a tranquila paz que transmitia,
e o quanto os outros respeitava
e por igual ao seu jeito amava,
um especial velhinho
o meu avô, a quem eu chamava padrinho!

Como posso esquecer,
os seus olhos doces e pequenos
e do universo da minha memória varrer
os seus gestos meigos e serenos?!...
ou a segurança que se esentia
quando com ele se convivia,
ou ainda o exemplo que foi de bondade
correcção e solidariedade?!

Aquele homem virtuoso
trabalhador infatigável
sincero e generoso
sempre foi para todos agradável.
nunca se lhe ouviu queixume
desencanto ou azedume,
aceitando a vida com humildade,
vivendo-a honestamente e com serenidade!

Consta que era jovem charmoso e atraente
porém humilde e por isso dos outros diferente;
a caça foi a sua grande paixão
não dispensava ler à noite a bíblia,
porém, foi à família,
a quem se entregou com infinita dedicação!

Mas tal como a outra estrela que perdi,
também esta sucumbiu na medonha escuridão!
Abraçou submissa o seu derradeiro luar,
aquele que um dia, para sempre a veio buscar
e nunca mais a vi!
O que restou dela, foi uma perda sem solução
um indescritível vazio
um sentimento gélido de causar arrepio!!!

Celeste Gonçalinho de Oliveira Duarte
Cacém, 17/10/2006

Utopia

Procurei-me na minha ausência,
quis ao menos encontrar minha aparência,
no rasto dos meus passos
fatigados e duridos de canseira;
nas marcas dos sonhados abraços
até na enfadonha poeira;
na dor da terra que pisei,
mas nunca me vi,
nunca me reconheci,
jamais me encontrei!...

Foi em vão a minha procura!
nesta luta por achar-me...
onde estou?!
Onde vou, de onde vim?!
Quem sou?!
Ainda ontem acreditei que o sabia,
mas tenho dúvidas agora! Quem diria?!
Cansei de buscar-me assim...
de nunca me vislumbrar,
de não me encontrar!...

Oh! Quanto corri eu,
sempre na procura de mim?!
Cansou-se esta luta obstinada,
mergulhou em sono profundo, adormeceu...
desenhou-se na noite por fim,
a minha silhueta e mais nada!...
ó triste desilusão
que escondes a minha real essência,
apenas me mostras tão fraca aparência,
que mais não é do que mera imitação!...

Oh! Quanto empolgante para mim seria,
encontrar o meu eu um dia...
mas não!
Vagueio e corro,
definho e por fim,é certo que morro,
sem de mim achar sinal;
sem possibilidade de sorrir
por não puder concluir,
quem sou eu afinal!...

Celeste Gonçalinho de Oliuveira Duarte
Cacém 30/09/2006

terça-feira, outubro 03, 2006

Bilhete de identidade ( por Zé Macário)

Soube em várias circunstancias da vida ( ida para um colégio longe, casamento, ida para a tropa e depois para a guerra, perda de pessoas afectivamente muito próximas), a amargura do que para trás ficou por dizer, por descobrir, por confessar…
Não sei se gostaria de ter a coragem de, tal como M. F. Mónica, fazer o meu bilhete de identidade, reclamado há muito aliás, por algumas das pessoas que me são mais queridas.
É frustrante viver só, com os nossos fantasmas habitando o mesmo sótão, sem nunca nos conhecermos, até porque nunca fôramos apresentados.
Se no entanto, abertamente nos tivéssemos confessado, quanta avalanche de desordem teríamos provocado? Quantos ódios teríamos atraído sobre nós?
Como aceitariam, os objectos do nosso amor, a confissão e prova de que lhes lemos toda a alma; que percebemos perfeitamente o que há de verdade em cada sinal, gesto ou acção, sem cairmos num terrível sentimentalismo piegas?
Como reagiria eu, ao facto de alguém abrir a “arca” envolta em “teias de aranha” onde guardo o meu “livro”, e começar a ler-mo em voz alta?
Em virtude de uma fragilização física e psíquica recente, voltou a assaltar-me a tal angústia do muito que para trás não fora dito.
Quem se disporia a confessar o processo de retorno aos instintos mais primitivos, animalescos e selvagens, que o soldado sofre num teatro de guerra?
Quem reconhece e confessa a opressão a que a supremacia de um ocupador territorial submete o ocupado, usurpando-lhe e violando-lhe o orgulho, a casa, a filha, a mulher, a vida?...
Quem, ainda num teatro de guerra não perdendo a sua humanidade, retrata o trauma vitalício que sofre, por eventualmente se imaginar causa de morte ou invalidez de outro alguém, ainda que considerado inimigo?
Cada homem é um mundo secreto e indesvendável, pelo seu mutismo, pensamento, acção e inacção, e não sei se assim deve permanecer.
Deve então fazer-se um auto retrato? Se alguém fizer o seu bilhete de identidade, terá a certeza de ser sua, a fotografia que lá fica estampada?
Mas qual afinal a importância de tudo isto, se não devem importar-me os julgamentos de estranhos e se tenho a certeza de serem ou virem a ser correctos, absolutamente correctos, os juízos de quem bem me conhece?
Toda a acção ou simples conjectura do individuo, se vai efectivando, consolidando e também amortecendo, diluindo e desaparecendo no labirinto convulsivo e “irupto” do nosso quotidiano.
Fomos assaltados e muitas vezes também bafejados por inúmeras fantasias … Fizemos maquinações, ínvias conjecturas, conspirações; Fizemos “ borregar” e cair déspotas, eleitos por sistemas democráticos … Tudo se dilui.
O tempo tudo cura.
Cada homem é um mundo, é um segredo, é um túmulo…
Deixe-se sobre cada existência humana a pedra tumular que a caracteriza, e que a faz singular aos olhos do Criador que, acredito, poderá ter realmente o bilhete de identidade de cada criatura.

Pedra Filosofal

segunda-feira, outubro 02, 2006

A festa em honra de Nª Sª do Pranto (por Celeste Venâncio)

Veja as fotos da procissão. Estas fotos foram cedidas por: FERNANDO COSTA

Festa em honra de Nª Sª do Pranto

A Póvoa viveu com muito entusiasmo a festa em honra de Nª Sº do Pranto.
Foram oito dias de diversão, havendo sempre alguma coisa que alegrasse as pessoas: Danças, teatro, bailes populares, cantares, anedotas um tanto ou quanto apimentadas e até uma belíssima sardinhada oferecida pela Comissão de Festas
Foi bom, foi divertido, foi alegre!...
Mas o objectivo da festa ainda não tinha sido atingido. Objectivo esse, que era honrar Nossa Senhora do Pranto, com a festa religiosa: missa e procissão.
O dia 27 de Agosto amanheceu com um sol brilhante, convidando-nos a uma maior participação. Este era o dia da mãe, para a louvarmos, bem-dizermos e agradecermos todos os favores. Logo de manhã a banda percorreu a aldeia, acordando os mais sonolentos.
Ás 11H45m celebrou-se a missa presidida pelo Sr. Dr. Joaquim Assunção, concelebrada com o Dr. Hermínio Bernardo, advogado, ordenado este ano com 72 anos de idade, viúvo e pai de dez filhos.
«Os desígnios de Deus são insondáveis»
A missa foi acompanhada pela banda; há quanto tempo que isto não acontecia!...
Por isso toda a gente gostou
Alguém me dizia:
- Foi bonito; gostei!...
Seguiu-se a procissão; foi o culminar da festa.
Pela primeira vez, neste dia saíram os andores, segundo relato dos mais velhos. Eram três os andores: Sagrado Coração de Jesus, Santa Bárbara e a padroeira, Nossa Senhora do Pranto.
Os andores estavam lindos!...
Arranjados pelas pessoas da terra, que nisso puseram todo o seu empenho, amor e carinho.
A procissão, depois de bem organizada, graças ao cuidado dos escuteiros, segue pelas calçadas da aldeia. A música acompanha. Anjinhos e figuras de santos dão um ar mais solene à procissão. Debaixo do palio segue o Santo Lenho. Uma multidão de gente segue atrás, agradecendo favores, pedindo bênçãos!...
Das varandas e janelas pendiam lindas colchas brancas, sinal de festa e alegria. Pétalas de flores caíam como gotas de orvalho sobre os andores.
Era na verdade dia de festa!...
Depois de ter percorrido a aldeia, a procissão regressou à capela, onde foi dada a bênção com o Santo Lenho.
Foi deste modo que honramos a Senhora do Pranto.
No final, e cumprindo um ritual que já vem de longa data, cada família saboreou o tradicional cabrito ou borrego assado no forno, com batatinhas assadas e arroz de forno.
Foi o culminar de uma grande festa numa também (embora pequena) mas grande terra.
Fazendo agora uma retrospectiva, a festa de décadas atrás era feita precisamente no último domingo de Agosto e era em honra do Sagrado Coração de Jesus.
A festa resumia-se apenas ao dia de domingo, com missa solene da parte da manhã, acompanhada pela música.
Da parte da tarde era o arraial, que se fazia no souto de Santa Cruz, lugar onde este ano estava a “chafarica”.
A música tocava e as pessoas divertiam-se à sua maneira.
Vinham as biscoiteiras com o afamado biscoito de Lamego e não faltava a presença de GNR para por fim a qualquer desacato que surgisse..

Reativar este blog

Iniciado em 2005, este blogue cumpriu em parte, aquilo para que tinha sido inicialmente projetado. Com o decorrer do tempo e tal como n...