sexta-feira, fevereiro 24, 2006

Memórias do século passado

Nos anos cinquenta, as malhadas eram feitas por homens, munidos de utensílios fortes e material seguro. Assim era possível concretizar um trabalho que era mesmo muito duro.

Esses utensílios eram os manguais,
eram compostos por peças únicas,
todas elas desiguais.

Essas peças eram: a casula, o pírtago, a meã, o enchedeiro e a mangueira.
Eram peças resistentes que duravam uma vida inteira.
A casula, era feita de corno de cabra não fendido, a meã e o enchedeiro,
feitos de coiro de vaca cortido e a mangueira de pau de sabugueiro.
Por ser leve e movediço, o pírtago era feito de pau de carvalhiço.

As malhadas faziam-se no verão em dias de calor,
eram feitas por homens com força e vigor.
Chegado o dia da malhada, o cereal era estendido no chão,
em covelas feitas com perfeição.

Eram quase sempre 10 ou 12 homens fazendo fila metade de cada lado,
batiam os manguais com força fazendo um som ritmado.
Com som ritmado e sem cansaço,
eram homens de barba rija, duros que nem aço.

Por vezes faziam despique, para ver quem estoirava mais,
os homens tinham vaidade em manobrar os manguais.
Tinham grande orgulho em levantar o pírtago,
aqueles que não conseguiam ficavam embaraçados, é que mais tarde,
pelas raparigas, iriam ser gozados.

Era um trabalho que puxava muito pelo peito,
requeria muita força e também bastante jeito.
Os malhadores eram acompanhados por uma mulher - A mulher da eira .
Esta ia virando a palha e segurava o molho mesmo na beira.
Ia sempre bem trajada pois era a rainha da malhada.

Depois da primeira eirada, um dos homens vinha ao fundo da eira,
subindo ao penedo gritavam às mulheres: eiiiiiiiiiiiiira - venham ajudar!
Este grito apelava às mulheres para que viessem a palha retirar .

Ouvia-se: Vamos lá! hoje é para o Zé do Casal; ele em troca empresta as vacas para fazer o nabal.

Apareciam então as mulheres,
que tiravam a palha e juntavam o grão,
ajudadas pela canalhada,
que vinham por uma côdea de pão.

A meio da manhã, davam sopas de vinho, salpicão da língua, uma boa pinga e broa de milho. Nestes dias todos tinham vaidade em servir bem.

Em casa de lavradores mais abastados,
matavam um cordeiro para o jantar,
pois nestes dias, nada podia faltar.

Trabalhavam todo o dia, com o mesmo entusiasmo e alegria.
Não havia oito horas de trabalho como hoje é de lei,
trabalhavam de sol a sol, onde o patrão era rei.

A limpeza era feita de noite,
para isso faziam-se alguns serões
e não faltavam pretendentes,
para ganhar uns cinco tostões.

Esse trabalho, era feito por um homem de braço seguro,
para se separar a moínha e ficar o trigo puro.
Era feito pela madrugada porque a brisa era mais certinha
e assim o vento fugia, levando consigo a moínha.

Era uma tarefa morosa, feita com grande dedicação,
pois era deste cereal que se ia fazer o pão,
onde uns comiam à fartura,
e outros apenas por ração.

Para fazer a limpeza do cereal,
tinham uma pá de limpar,
feita de madeira leve,
para o limpador não cansar.

Passavam-lhe pelas mãos muitos quilos de cereal ou até toneladas,
no final as suas mãos,
ficavam todas calejadas.

Nessa época não se andava acima e abaixo à procura de um bom tacho, comiam do suor do rosto, trabalhavam de madrugada ao sol posto.

Glossário
Casula- corno de cabra no malho onde trabalhava a meã.
Pírtago- Vara mais curta do mangual
Meã- anilha de coiro que une o pírtigo à mangueira.
Enchedeiro- tira do coiro que liga o pírtigo do mangual
à mangueira.
Mangueira- Pau mais comprido do mangual.
Carvalhiço- Carvalho anão.
Moínha- Fragmentos de palha, alimpadura dos cereais.

Lucilia Alves

quarta-feira, fevereiro 22, 2006

In Memoriam Póvoa (por Zé Macário)

Sempre que uma mãe tinha necessidade, numa qualquer conversa, de fazer reconhecer e inflectir ou reflectir sobre si, o amor aos filhos, tinha esta frase lapidar: - Mãe é mãe, e tira a comida da boca para a dar ao filho! Sempre que isto era dito e, embora fosse uma frase vinda já dos seus ancestrais, não era no entanto alguma metáfora, pois tinha mesmo um sentido absolutamente real. Isto para dizer que, era prática corrente nos meus tempos de menino e moço, as mães "regurgitarem" a comida para a boca dos seus bebés. Sim. Mastigavam a comida, tiravam-na da boca e, com as pontas dos dedos, colocavam o bolo alimentar, já bem mastigado, na boca dos seus meninos. Nunca reparei que para este acto, tivessem pelo menos o cuidado de lavar as mãos, ainda que isto pudesse eventualmente ocorrer a meio de uma espalhagem de estrume para as sementeiras. Os bebés que não morriam nos primeiros anos, tornavam-se fortes e robustos e vinham a gozar mais tarde de variada ementa alimentar. Caldo de cebola ao pequeno-almoço e caldo de couves para as outras refeições, acompanhavam o homem do berço à tumba. Para as bessadas era normal cozinhar umas batatas amassadas com pão de trigo e toucinho - quase uma espécie de açorda, mal amanhada - prato com certeza muito nutritivo mas, que, eu não gostava nada, e a que costumava chamar "batatas amassadas com o cu". Outro prato muito frequente e pouco digno da minha simpatia, era batatas cozidas, com torresmos e banha derretida; sim, os torresmos, que eram quase sempre rançosos, poderiam ter bem mais de meio ano de conservação na banha. Milhos e caldo de farinha eram pratos muito usados no Inverno e constavam de uma paparoca à base de uma farinha grossa de milho, moída especialmente para a sua confecção; Eram saborosos enquanto havia carne fresca de porco, e, diria, muito repelentes depois, até pelo seu aspecto comparável ao cócó de menino. Muito usual no Inverno, era também o caldo de castanhas que, não sendo nenhum pitéu, era no entanto bastante comestível. E as falachas?! As falachas era uma espécie de bôla de farinha de castanha, cozida em forno de lenha, entre folhas de castanheiro. Igualmente repulsivos para o meu gosto, eram todos os pratos possíveis de cozinhar em misturas com leite e que, iam desde o leite com arroz até ao leite com botelha. Pratos mesmo, mesmo simpáticos para mim, eram todos os que metiam borrego, cabrito, ou mesmo os melhores enchidos caseiros que a minha memória retém. Era tão bom, por exemplo, roubar umas chouricitas para ir comer à festa dos milhos - o São Brás de Meijinhos. Muito simpáticos em termos gastronómicos eram ainda: a matação, a função, a função dos miolos e os jornes. Vocês ainda se lembram dos jornes? Também no domínio das louças se poderia escrever outro capítulo, limitando-me porém apenas a algumas vagas lembranças: -Todos os anos ao início do Inverno apareciam na Póvoa, junto à torre sineira, os paneleiros de Fasamões que aqui vinham trocar panelas e púcaros de barro preto, por alguns escudos, ou mesmo por alguns géneros. Sempre que se quebrasse alguma peça de louça, guardavam-se os estilhaços até que aparecesse o "Ginó" que um dia apareceria com toda a família, vindo das bandas da serra, para consertar todos os pratos, malgas, panelas e caçoilas - de ferro ou de barro - ou mesmo qualquer utensílio de lata. Tudo era consertável! Não havia lugar a desperdícios de qualquer natureza; um simples frasco que tivesse aparecido em casa, com qualquer droga da farmácia, poderia ser bem lavado e aproveitado para galheteiro, ou para qualquer outra função. Também os chapéus de palha rotos que, já não servissem para tapar as cabeças, serviam para substituir os vidros das janelas. Na Póvoa havia somente uma senhora - a senhora Rafaela, esposa do Ti Mochila - que por acaso até era de origem espanhola, e quanto a todas as outras habitantes, eram apenas mulheres sem direito a senhoria. Ora aquela senhora era a única que tinha duas panelas de esmalte, e que por isso, todos os anos as emprestava à minha mãe para fazer marmelada. Ainda se fazia marmelada em panelas naquele tempo!...A minha mãe tinha sempre uma panela grande especial para tingir roupa com cascas de amieiro. As frutas, principalmente maçãs, eram trazidas nos Domingos de Outono pelas gentes de Lazarim que, também junto da torre sineira comerciavam em regime de troca directa, isto é, tantas maçãs por tantas batatas. O contraste entre a gente da aldeia e a gente da cidade era abismal: - Em Lamego não se matava porco, não havia função, não havia jornes, nem pútegas, nem queijapões nem gasalhos; a Lamego não ia o "Ginó"!...Os senhores da cidade - sendo nêdeos e fidalgotes - eram Joõesinhos, Manelinhos, Zézinhos, Jaquinzinhos e até Mijinhas, vejam lá!...Os homens da aldeia eram Joões, Maneis, Zés, Jaquins e ...Mijinhas nem pensar!...Se eu fosse um Mijinha não seria possível, por exemplo, apagar tantas vezes, com uma seringadela, o lampião da Tia Arminda, quando esta ia à noite à loja ver as ovelhas. Os meninos da cidade usavam só meias calças e de um único pano, enquanto os rapazes da aldeia usavam calças inteiras e de muitos, muitos bocados de pano. Os homens da aldeia falavam sempre com os nêdeos e fidalgotes senhores da cidade, de forma extremamente reverencial. Enfim, como tudo era diferente naquele tempo!...

O mais alto…(por Fernanda Gonçalves)

O mais alto…
Era um gigante, para todos nós,
Pacatos anões, a seu lado.
Brincalhão, quanto baste.
Amedrontava pela altura,
Crianças mais pacatas,
Pela colossal haste.
Mas, nem numa mosca ele tocava.
Direito, de enxada ao ombro,
Calçada abaixo, lá ia…
Descalço, diariamente andava.
Sapatos, na altura não havia,
Para a sua medida.
Só tamancos, por vezes usava,
Quando o frio apertava.
Com o meu pai tinha vacas e parceria fazia,
Muitas vezes lá por casa aparecia,
Mas aquilo de não ter sapatos,
A mim, muito me entristecia.
Não podia acreditar,
Que os sapatos só para gente pequena havia.
Um dia, por lá apareceu,
Um tal almocreve, que sonhos vendia,
Logo, as crianças da terra se juntaram,
E todos queriam,
Uns sapatos comprar,
Para o nosso gigante calçar.
Nada conseguiram,
Pois o homem de tonto nada lhe faltava.
As suas medidas
Em nada se comparavam
Com as simples medidas lineares,
Era ao palmo!
E cada palmo, uma exorbitância numérica,
Que não encaixava na nossa aritmética.
O nosso sonho se desvaneceu
E de sapatos, nada aconteceu,
Aquela figura, na minha memória permaneceu.
Mais tarde,
Já crescida,
A terra visitei.
E, para meu espanto
O gigante da minha infância, observei
E nos seus sapatos me espelhei.
Uma sincera homenagem ao homem que encheu de magia a minha infância “tio Macário”.

Saudade (por Fernanda Gonçalves)

Saudade Tinha 25 anos, chamava-se Artur, era a alegria em pessoa, simples, de uma simpatia, que só ele sabia transmitir, amigo do amigo, sempre pronto a ajudar quem dele precisava. Era a alegria dos sobrinhos, sobretudo a minha, a quem, em todas as tardes frias ou quentes, dava o seu apoio, o seu carinho, brincava e aturava, como só ele o sabia fazer. Àquela hora, dia após dia, contava os minutos que faltavam para a sua chegada, esperava pela sua voz, pelo seu chamamento, pelo “tempo” da brincadeira… Feliz, junto à soleira da porta, perguntava: - Há ceia, p`ra mim? Com a melhor fatiota que possuía, de passos vagarosos, lá estava ele, esbelto e sorridente à espera que me atirasse a seus braços, como uma pluma esvoaçante. Saltitando lá ia eu, olhando, embevecida e feliz, corria a procurar uma gulodice na algibeira, uma corrida às cavalitas, uma história, uma cantiga ou simplesmente um olá de boas vindas, para a sua menina como ele dizia… Era só pedir e, os meus desejos eram satisfeitos, para admiração de todos. Também ele dizia que não conseguia dormir, nem se sentia bem se não brincasse comigo e com o Macário, todos os dias. Nós éramos a flor dos seus olhos, assim como ele para nós era a alegria das nossas vidas. Um dia, tiraram-me essa alegria de viver. Essa voz, não voltou a chamar-me. Esperei, não esqueci o ritual. Ficou a ilusão e a mágoa, que ainda hoje, após tantos anos, ainda subsiste e teima em me atormentar, sem conseguir apagar. Como tão depressa me roubaram aquele sorriso meigo e doce, o aconchego daquele regaço, as gargalhadas contagiantes… Uma passagem sorrateira pela taberna, para cumprimentar os amigos, a quem ele chamava amigos… e, contar as novidades de mais um dia de feira, terminou com a minha alegria e de toda a família. Maldito o dia em que uma taberna aberta serviu de palco para a maior tragédia algum dia visto naquela terra. Terra de gente calma e serena, que no crepúsculo da noite fez a sua mais triste história. Trouxe-me angústia, dor e muita lágrima derramada. Aprendi a olhar para as estrelas e procurar o seu rosto, na mais luminosa de todas… sentia-a como que a olhar para mim e a velar pela minha meninice, como ninguém o sabia fazer, procurei a rota do seu voo interminável, mistério da minha imaginação. Hoje, com muita saudade e um tremendo vazio, tenho as suas histórias, as suas brincadeiras e os seus ensinamentos puros da vida, gravados, no meu coração. Não repudio quem o tirou do local do crime e procurou de uma forma ou outra dissimular os acontecimentos, para não ser também incriminado, porque, no auge do acontecimento, como reagiria cada um de nós? Mas, não esqueço os acontecimentos… fica a tristeza, a lembrança. Fica a minha homenagem àquele que para mim foi o mais puro dos homens. A sua arte de entreter não a aprendi, porque essa, nasceu e morreu com ele, mas a sua força sinto-a em todo o meu ser…como arma secreta em permanente alerta, nas tardes de nostalgia.

Como era a póvoa... (por Zé Macário)

Como era a póvoa...
Os nomes das vacas da Póvoa eram: Galantes, Bromelhas, Ramalhas e Cabanas, com excepção das do Ti Gomes que, essas, eram todas Malhadas. Umas puxavam nas duas mãos, algumas eram de esquerda e outras tantas de direita; e de vez em quando era necessário que alguma puxassem arreiras.
Algumas juntas eram propriedade de um só dono, enquanto outras jonguiam em parceria.
Nunca percebi bem por que é que para se mandar parar um burro, se dizia xó, e para mandar parar uma vaca se dizia oixe; assim como para mandar andar uma vaca se diz iete, e para mandar andar um burro se diz arre.
Eu nunca percebi mas sei que era assim, e sei que eles percebiam, não obstante alguns serem burros.
As cabras eram todas Mochas, Catitas, ou Morinhas; era Mocha a do David, Catita a da Ti Branquinha e Morinha uma rica cabra que eu tinha e que para além do mais, até fazia de burra. Que rica cabra, aquela!...
Não sei como se chamavam as ovelhas, mas sei que os porcos eram todos recos e chechês.
Outra coisa que me intrigava era a distinção de formato e de utilização dos brêses, das brêsas e das gigas que, sendo todos da mesma familia tinham formas e utilizações diferentes, com a excepção mais uma vez para os do Ti Gomes - que sendo de frabico próprio - eram todos iguais com a consequente confusão de utilização.
Os brêses utilizavam-se nas sementeiras, as brêsas faziam de caixa de costura, enquanto as gigas se utilizavam para guardar a broa, fresca, fora do alçance dos ratos.
As maleitas das pessoas assim como as respectivas mezinhas também aguçavam a minha curiosidade: havia o tizorelho, que era um qualquer inchaço atrás de uma orelha, e que era curado com uma reza que só algumas mulheres bentas sabiam fazer.
As cróflas, uma qualquer maleita na zona do pescoço, eram curadas por uma "especialista" de Várzea que as queimava com um ferro em brasa no pescoço tal como se fazia para marcar as rezes ou os escravos.
Ficar sem uma cabeça de um dedo de um pé - o que acontecia com muita frequêcia, por as pessoas andarem muito descalças - curava-se com uma mijadela e posterior colocaçao de pó de terra seca.
Para a cura de uma dor de ouvidos, espremia-se para o interior dos respectivos, uma esguichadela de uma mama de uma mulher em inicio de aleitação.
Havia também algumas curas - não me recordo quais - que se obtinham por mijadela de virgens.
Os terçolhos mandavam-se voar para outros olhos com uma reza especial que toda a gente sabia.
Para matar as lombrigas - que era um dos grandes achaques daqueles tempos - bebia-se de manhã em jejum durante vários dias um xarope-mistela intragável, isto é, uma xícara de alho amassado com vinagre; as bichas ou morriam ou ficavam doidas.
As dores de dentes abafavam-se com sal, criosoti, água-ardente, fumo de tabaco, vinagre, e muitas outras mistelas de que me não recordo.
Ainda me recordo de tempos em que médicos, boticairos, barbeiros, ou ferradores - o famoso Paula, por exemplo - tentavam a cura de muitas doenças com sangrias; que consistiam - penso eu - num qualquer corte no cu e retirar alguns litros de sangue e assim fazer baixar a febre.
Arranjar ossos ou tirar dentes era sempre com o ferrador e, a anestesia eram uns copos de vinho do Porto.
Para a cura de uma qualquer tumefação, a receita era lavagem com água de malvas.
E os chás? Ai os chás! Havia de todas as plantas e para todas as mazelas, mas isso dará outro capítulo.
Até lá, não nos doa a nós a barriga!

terça-feira, fevereiro 21, 2006

Recordar é Viver

Em meados do séc. XX fazia-se na nossa freguesia, um cortejo onde a mocidade da Póvoa de Lamego tomava parte, era organizado com sabedoria e arte.

Fez-se vários anos
nem sempre no mesmo dia,
vou resumir como e porque se fazia.

Para organizar o cortejo
havia muito trabalho
e muitas ocupações,
desde as ofertas às roupas
das danças às canções.

Na frente, iam as burras
carregadas sem compaixão
levando em suas cargas,
batatas, cebolas e feijão.

A burra da frente, a carriça,
ia toda enfeitada
de laços e fitas de papel
lá ia que nem cabia na pele.

A burra chamada joaninha;
levava uma faixa laranja
e na cabeça,
um belo lencinho de franja.

A preta; uma burra
velha e matreira,
levava óculos de sol
como se sofresse de cegueira.
Na cabeça um chapéu,
enfeitado de notas correctas
era a maneira das pessoas
ostentarem as ofertas.

Ia também uma pequena burrita,
robusta e caprichosa,
por ser tão bonita,
era chamada de rosa.
Tinha na testa uma estrela branca,
por ser pequena,
ainda não usava retranca.
Esta ia apenas,
para enfeitar e a atenção chamar.

Quando a russa e a ligeira
não queriam caminhar,
desatavam aos coices
e começavam e roncar,
Toda a gente parava,
para o espectáculo admirar.

E lá ia um par de foguetes
que só elas sabiam deitar,
juntamente, um aroma
que não agradava nada cheirar.

A burra Joana era branca,
tinha na testa uma malha,
levava uma albarda tão velha,
que a parceira com a dentuça
lhe ia comendo a palha..

Já comentavam lá para a Sé,
elas vêm todas invejosas e diziam,
se a inveja fosse tinha,
bem ficavam todas tinhosas.

Lá ia o rancho
de raparigas e rapazes
com seus trajes e enfeites
todos eram audazes.

As raparigas de blusa,
enfeitadas com lacínhos
saias pretas bem rodadas
e nos pés uns chinelinhos.

Na cabeça um lindo lenço
de cores vivas florido,
um avental pequenino
atraente e bem garrido.
Algumas saias,
eram mesmo seculares,
normalmente só usadas,
em romarias ou importantes jantares.

Os rapazes; de camisa branca
alva como a orvalhada,
de faixa vermelha à cinta
e de calça bem vincada.

Chapéu preto na cabeça,
que ficava muito bem
e a boa educação,
não faltava a ninguém.

Aparecia a tia Rosalina
junto ao poral da porta
segurando o avental
com os legumes da horta.
E dizia: será que isto vai dar
para a residência do Sr. Padre reparar...
E continuava,
a burra do meu compadre
não tem cabeçada,
pois ele passa a vida nos copos,
e não tem dinheiro para nada.

Por incrível que pareça
e sem nenhum embaraço
mesmo de açafate na cabeça
não erravam nem um passo.

Iam três ranchos,
todos no mesmo dia,
porque são três povoações
que formam a freguesia.

A cantar e a dançar,
faziam 5 km a pé
e na frente emproado como um pavão,
lá ia o maestro Zé.

Quando chegavam à cidade
toda a gente aplaudia com fervor,
e pediam:
repitam, repitam lá por favor!

Eram palmas e mais palmas
e parabéns calorosos,
a festa era de todos,
desde as crianças aos idosos.

Tinham bonitas canções
dava gosto ouvir,
vejam lá se conhecem
algumas que vou referir.

Póvoa minha terra querida,
foste o meu berço Natal,
és um canteiro florido,
nos jardins de Portugal...

Não me chames farrapeira,
eu nunca vendi farrapos,
tenho uma saia nova,
toda cheia de buracos...

Margarida, Margarida,
quando o sol vem a nascer,
deixa-te estar escondida,
Margarida, Margarida,
nessa paz do teu viver...

Quem fazia os ensaios
era o Sr. José de Oliveira
homem muito culto,
que a música amou a vida inteira.

As burras eram carregadas
e enfeitadas a rigor
as ofertas,
eram levadas para a casa do Sr. Prior.

Não era para ele comer,
iam depois a leilão,
em dia marcado e hora,
para arranjar dinheiro
para começar a obra.

O padre tinha razão,
é que a casa onde vivia era tão velha,
que nem sequer tinha portão.
E assim ficava contente,
o nosso Sr. Padre João.

Vivia bastante pobre,
mas tinha uma alma
generosa e nobre,
usava batina preta já sem botões no peito,
mas com o seu colarinho branco,
dava-lhe um ar de respeito.

Em dias de catequese
era sempre dos primeiros,
muito amigo das crianças
e chefe dos escuteiros.

Toda a gente colaborava;
rico e pobre
pois era por uma causa justa e nobre.

Lucilia Alves

sexta-feira, fevereiro 17, 2006

A MINHA ALDEIA (de JOSÉ GONÇALINHO DE OLIVEIRA 1981)

MINHA ALDEIA

Minha aldeia de casas encardidas
De negrume
Mas onde não falta lume
A aquecer vidas
Que outrora foram cinzas apagadas
De tristeza e abandono
E hoje lembram madrugadas
Dum outro Outono!
Vestes ainda roupas de pobreza
E de suor,
Mas quantos, quantos sonhos de grandeza
Despontam já no teu interior?!...
Aqui e ali
A cor viva de uma casa
É como a alegria em brasa
Que sorri,
A marcar o rumo novo
Dum povo
Que sombra de miséria conheci!...



Inédito, escrito em Vila Real em 29/09/1981 e lido no dia do funeral do autor pelo seu filho mais velho, durante a missa de corpo presente celebrada na Póvoa

quinta-feira, fevereiro 16, 2006

Se bem me lembro (por Zé Macário)

Se bem me lembro...plagiando Vitorino Nemésio, o tal de "Mau Tempo No Canal"; ou melhor, não plagiando porque o termo, se bem me lembro, era já corriqueiro entre as nossas gentes da Póvoa: - Se bem me lembro - dizia eu - o Ti Varanda era um dos velhinhos que povoam as brumas memoriais da minha infância. Tinha uma acentuada corcunda, andava com as mãos atadas atrás das costas, como os polícias, usava sapatos de barro em vez de tamancos, como o Ti Branquinho, tinha um andamento esquisito, saltitante, e passeava a sua vida guardando a água no rego do Lameiro, a caminho do Paúlo. Tinha uma filha Solteirona, baixa, gorducha e corada, não muito bafejada pela beleza, pelo menos com aquela beleza que no meu conceito subjectivo de criança de quatro, cinco ou seis anos, achava ficar bem assente no género feminino. Esta filha, a Rosa Varanda, era uma simpatia de pessoa e nunca passava por mim sem me fazer algumas gracinhas, e de tal forma eu gostava dela, que os adultos já me diziam com ar de gozo, que ela era a minha namorada. Pois um dia, meus amigos, inguenchei com a Rosa Varanda, e, logo depois daquela lenga-lenga, inguenchar, inguenchar para dia de Páscoa me dares o folar, e tal tal, tal tal, ela, a Rosa, deixou-se ficar com a minha reza.Como era bondosa aquela Rosa! Passei semanas e semanas - que me pareceram anos - a esconder-me entre os carvalhos, os pinheiros, as paredes para a surpreender com a minha reza, tendo porém sido muitas vezes surpreendido com a sua, porque também ela se disfarçava e escondia para me surpreender e mandar rezar. Porém ao tê-la mandado rezar aí pela Quinta Feira Santa, não mais voltei para as bandas do Paúlo até ao Sábado-Aleluia - assim chamado naqueles tempos, por ser às nove horas de sábado que os santos despiam o seu luto. Pois a Rosa Varanda ficou com a minha reza, e portanto ganhei-lhe o folar; A Rosa terá adoecido e morreu sem me pagar - possívelmente uma quarta de confeitos ou mesmo só dois confeitos para jogar ao rapa...que pena eu tive que a Rosa não me tivesse pago, e durante muito tempo esperei que ela me aparecesse - bondosa, como era seu timbre - a entregar-me, com um beijo, a prenda que me devia. Que pena eu tive que a Rosa me deixasse, quase orfão, no Paúlo ou no rego do Lameiro. Fiquei muito mais pobre e só, com a falta daquela Rosa. Percebo agora, ao relembrar tão remotas recordações, poque é que começam a deixar de me chamar Zé Macário e começam a chamar-me sexagenário.

quarta-feira, fevereiro 15, 2006

Do grão ao pão

Tudo começava
quando o Outono chegava,.
via-se então todo o povo
fosse velho fosse novo,
num sossurrento burburinho
na Póvoa em qualquer caminho,
preparando a sementeira
do cereal que em Junho chegaria à eira,
do centeio e do trigo
um costume já antigo,
nas leiras
e nas lameiras
no lavradio de cá,
pois o do lado de lá
ficava um ano de pousio
para depois também ele ser lavrado
e semeado
encerrando-se assim o ciclo do lavradio.
Uns jonguiam o gado,
outros preparavam o arado,
que muita utilidade teria
de manhã, à tarde durante todo o dia
e o boliço habitual
que todos os anos era igual
começava desta maneira:
na terra seca e poeirenta
muitas vezes lamacenta,
espalhava-se de forma igual
o necessário cereal,
e se ao lavrador faltava o brês
para dele espalhar o dito grão,
arranjava outra solução
improvisando uma ou outra vez
a vasilha de um avental
de sua mulher
ou de outra pessoa qualquer,
assim era tal e qual.
Lavrando a terra seguidamente
assobiando de contente
triste ou arreliado
vagaroso ou apressado,
o lavrador confiante
num dia não muito distante
de ali regessar
para feliz constatar
que aquele solo abençoado
pelo Céu fertilizado
lhe traria o alento

de um ano de sustento.
E quando a fome apertava,
o seu olhar todo o caminho percorria
só para ver se ao perto ou ao longe via
o almoço ou a merenda que já tardava
e quando esta chegava
era uma grande alegria.
O tempo ia passando,
o centeio ia crescendo
do castanho ao verde passava,
e deste no amarelo dourado se transformava,
numa constante mudança
num colorido sempre diferente
sempre belo e surpreendente!

Celeste Gonçalinho

A juventude dos nossos pais




Era demais
a juventude dos nossos pais
as suas brincadeiras
aos domingos tardes inteiras,
ou à noite no Inverno
a rapaziada
só fazia trapalhada,
era mesmo um inferno!
Um certo dia
em casa de uma mulher
cujo nome dizer não interessaria,
sem que esta visse
ou alguma coisa sentisse,
à força na casa entraria
um determinado animal
muito sujo e irracional
e qual havia de ser?
Um porco está-se mesmo a ver;
mas tudo correu mal!...
No escuro
e sem nada ver,
desata à toa a correr
desorientado
e muito assustado.
De repente
um forte cheiro sente
vindo de uma vasilha
idêntica a uma bilha
de gargalo estreito
e estava tudo feito…
O bicho “embriegado”
com o aroma perfumado
das azeitonas da panela,
vai direitinho a ela
começa então a fossar,
a panela a abanar,
a grunhir,
e os caroços a partir
e às duas por três,
o suíno,
viu-se preso pelo focinho.
“Bem feito
e bom proveito,é para não seres guloso;
come lavagem, deixa à mulher o que é gostoso”
-assim dizia a rapaziada
rindo em alta gargalhada.
Vem então de lá a mulher,
trazendo na mão uma colher
e grita
muito aflita:
-Ai Jesus, vou já buscar uma luz,
quero agora ver
o que aqui está a acontecer!...
Surpreendida
e enfurecida
com o que via
e sentia
chama os rapazes” malditos”
manda-os para os cantos dos infinitos,
para o raio que os parta;
dizendo-se já muito farta
de tão estúpida brincadeira
de gente sem carácter nem canseira.
Sem discussão
foge um por cada lado,
deixando ali o porco entalado,
a mulher indignada
e muito revoltada
com aquela situação
para combinar lá fora
uma possível hora
de outra tropelia
a realizar ao outro dia …

Celeste Gonçalinho

Se algum dia ouvir falar…

Se algum dia ouvir falar
de um pequeno lugar
sereno, belo e discreto
de Lamego muito perto,
tendo a seus pés o Balsemão a correr
e o monte Dufe ali mesmo a ver,
não é difícil concluir
e de imediato descobrir
é a Póvoa naturalmente;
terra de boa gente
que um dia ali nasceu,
cresceu, amou e viveu .
Mas se nunca de tal ouviu falar
ficará agora a conhecer
se estas rimas ler
a terra e a sua gente
de muitas outras diferente.
Assim, falarei desta terra
do valor que ela encerra
direi quem somos,
como pensamos e como vivemos;
as nossas virtudes
e os nossos defeitos
porque os temos.

Falando da Póvoa

É uma terra singular,
um caso particular
de um povo antigo
acolhedor e amigo
que resistiu ao tempo que passou
e à mentalidade que tanto mudou
sem o seu carácter altera
ou algo em si mudar;
pelo contrário
mostra o mesmo cenário
de um povo medieval
autêntico e sempre igual.
Esta terra também é minha
de todas a rainha
é onde repouso e descanso,
e reponho a memória
da nossa antiga história,
contada nos caminhos,
nos atalhos
e nos velhos telhados.
No granito o homem quisera
gravar a alma da povoação,
e o mesmo fizera
para mostrar o amor à terra
imortalizada em cada habitação;
como de verdadeiro compromisso se tratasse
e assim se honrasse
a memória
da sua história

Falando da sua gente

Amamos a Natureza
descobrimos nela a sua beleza
respeitamos os nossos pais
as plantas e os animais,
a nossa comunidade
grande parte dela já tem idade
e muitas vezes se sente esquecida
e desprotegida,
por quem de direito
alguma coisa devia ter feito,
pois são gente,
que trabalha e que sente,
ou já trabalhou
e vida dura sempre levou.
Somos pacatos
não causamos desacatos
nem criamos desavença
na família ou na vizinhança;
não alinhamos em ditos
ou em conflitos,
não somos gente de maldizer
ou de mal fazer
nem os outros prejudicamos
pelo contrário ajudamos.
Somos prudentes
Consideramo-nos decentes
na nossa forma de ser
de estar e de viver.
Alguns são divertidos
outros mais contidos
também somos curiosos,
frequentemente vaidosos
não em mostrar os nossos trapos
mas antes nos nossos actos;
na nossa honestidade,
e seriedade,
não cobiçamos o alheio,
que é algo muito feio
repelente
e repugnante.
não há grandes empresários
ou consideráveis proprietários,
vivemos o dia-a-dia
tendo o suficiente
para levar vida decente
não precisando de pedinchar
aqui,
ali,
ou em qualquer outro lugar!...

Herminia Gonçalinho

segunda-feira, fevereiro 13, 2006

Política e politiquices (por Fernanda Gonçalves)

Política e politiquices

Já há uns tempos que sinto uma tremenda revolta centrada no facto de ver a Póvoa entregue a si mesmo, sem coragem política para dela fazer os melhoramentos necessários à qualidade de vida que qualquer ser humano em pleno séc. XXI tem direito.
Cada vez que melhor conheço a política e a minha experiência é mínima, apenas de um mandato com poucos meses de outro, mais revoltada fico com tudo o que vejo. Dei-me ao trabalho de ler as actas do Executivo da Câmara Municipal de Lamego e garanto-vos que me foi difícil, com a falta de tempo que tenho, mas quis ver com os meus próprios olhos tremenda incompetência, dos nossos ditos representantes políticos.
Durante o ano 2005, o nosso dito presidente da Junta, nunca interveio para falar sobre a Póvoa, na Assembleia. Lamentável… nas reuniões do Executivo, a Póvoa somente foi falada porque era necessário aprovar a lei do ruído para se realizar a festa; interessante…como podemos querer e dizer a quatro cantos que a Póvoa, não tem água canalizada, não tem saneamento básico e que a água que se bebe pode estar imprópria para consumo, que a estrada quase parece um caminho de cabras, com buracos quanto baste, onde nem dois carros quase cabem, onde dentro da própria povoação uns têm caminho público para casa empedrado e outros apenas têm lama ou se querem caminho seco têm que pagar da sua algibeira, que foi o caso.
Não me digam que o actual presidente é melhor que o anterior, porque, até ao momento também ele nada fez. As eleições foram no dia 9 de Outubro, desde esse dia que também ele, sempre presente nas reuniões, nada fez ou propôs para melhorias, na Póvoa, pois nem a boca abriu! Isto é zelar pelos interesses da população? Não… Isto é não criar ondas para não ser mal visto e poder subir quanto baste, nas próximas eleições. Assim, não é fazer política é politiquice.
Como é possível o anterior Presidente da Câmara dizer no boletim informativo de 30 de Junho de 2005, que no seu mandato: “procurou a busca do melhor nível de vida de todos os lamecenses, procurou criar riqueza e levou saneamento básico e água canalizada a 95% da população do Concelho de Lamego, das 24 freguesias existentes”. E sabem apenas quem contrapôs esta afirmação? Apenas o Presidente da Junta de Pretarouca, que de uma forma inteligente lhe fez ver o quimérico da questão.
Será que a Póvoa já tem saneamento básico e água canalizada e eu não sei? Será que o novo presidente já focou a questão, resolveu o problema e lamentavelmente não inseriram a sua intervenção na acta? Não acredito!...
Deixemo-nos de brandos costumes e não vamos elogiar aqueles que ainda nada fizeram, à espera que o façam, mas, procuramos insistir que as promessas sejam cumpridas e de forma firme e convicta, exigir o que temos direito, nem que para isso tenhamos todos de ir a uma Assembleia, fazer o que os nossos representantes não fazem.
Amigos da Póvoa, vamos todos fazer o que esperamos há anos, que façam por nós.
Lutar pelos nossos interesses, mas todos juntos.
Espero que se forme esse movimento, estarei presente.
Fernanda

sexta-feira, fevereiro 10, 2006

Por entre as brumas da memória (por Zé Macário)

Por entre as brumas da memória sentem-se apelos, na voz dos nossos igrégios avós.
Aparecem em remeniscencias das minhas recordações - e isto, contado ainda pela tradição oral - a lembrança de uma família da Póvoa que terá tido primordial importância na área dos saberes, para o desenvolvimento dos ofícios aí, e nas aldeias limitrofes.
Sei que era ainda muito criança quando, aos serões junto à lareira, nas grandes e rigorosas noites de Inverno - enquanto os homens descascavam castanhas para os porcos e as mulheres tricotavam camisolas ou caturnos - por entre as fábulas, que mais tarde vim a saber serem de Fedro, Hisopo, La Fontaine ou de Aquilino, ouvia contar, além das istórias de lobos e lobisomens, também os grandes feitos das grandes famílias modelo, entre as quais me aparece como referência - ia eu a dizer - a tal família do "Mestre". Assim chamado por ter sido, com o seu clã, baluarte no ensino da escrita e leitura bem como de vários ofícios e até de música; de recordar que na juventude dos nossos pais, todos os rapazes da Póvoa tocavam algum instrumento musical. Julgo ser esta família oriunda dos Gonçalinhos, ter vivido na casa do largo, junto à eira dos mesmos, e ter ainda como descendente aí, em linha directa o Manel da Valentina (neto do Mestre). Não sei se isto será bem assim, porém, alguém me haverá de corrigir se assim não for.
Estamos a falar de um tempo em que nenhuma dessas aldeias teria escolas, e as pessoas encontraram nesta família a forma de receberem alguma ilustração.
Se nos localizarmos no tempo, ser-nos-á fácil entender quanta influência terá tido esta família na sociedade do seu tempo e futuras. Sabemos aliás, que muito poucos povos tão pequenos, terão sido berço, como a Póvoa foi, de alguma intelectualidade, assente principalmente, nessa família dos Gonçalinhos. Lembramos por exemplo e apropósito, que no ano de 2005 foi homenageado a título póstumo pela Câmara de Vila Real, um ilustre Gonçalinho, filho dessa terra. São afinal as terras madrastas a reconhecer os valores que as terras mães se esquecem de reconhecer.
Se é com algum orgulho que aqui ivoco a história - e não é em vão - é para exortar à fidelidade que devemos à nossa memória e às nossas raízes, e lamentar o abandono a que foi votado esse povo, a quem, possívelmente tantos, tanto devem. Lamentar ainda e novamente que o autarca que aí agora cessou funções, não tenha prestigiado o apelido que consta do seu BI e tenha feito tão triste figura,com um mandato tão triste e tão pobre. Porém, dizer também que, não é a existência de uma ovelha ranhosa no seio de uma família, que desclassifica essa família. Continuemos a orgulhar-nos das nossas raízes.
E já agora exultemos pela mudança que, com certeza, não irá defraudar as nossas grandes e legítimas espectativas

domingo, fevereiro 05, 2006

Aquele Cantinho (por Fernanda Gonçalves)

Aquele Cantinho…
Estrada fora… em dias estivais, devorando o asfalto esbraseante, olhando ao redor, para lá das bermas, o silêncio esverdeado, frondoso, refrescante dos matagais intermináveis: árvores e mais árvores, vegetação exuberante, caótico emaranhado de vida passiva no seu misterioso e telúrico brotejar, quebrado de vez em quando, num aceno, pelo capricho da brisa amena e cálida. A estrada, sinuosa e negrejante, a dardejar no horizonte, a estabelecer uma fronteira, uma referência àquele pequeno canto, de sombras verdes, obscuras, informes, insinuando-se por fragas, colinas, montes e vales. É sem dúvida a paisagem daquela que para todos nós foi o berço e nos embala. Esse berço de um sufocante calor humano que a todos chama e acolhe como de um colo se tratasse… que nos acaricia quando vencidos pelo cansaço da labuta diária a procuramos, para o descanso merecido e nos revigoriza tornando-nos irresistíveis a tamanha sensação, como se de um cordão umbilical se tratasse… Apesar das parcas mordomias existentes, dos monótonos dias invernais ou soalheiros, das efémeras viagens; a dicotomia entre o ser natural desta Póvoa querida e a paisagem única são irresistíveis e de um mistério indecifrável. Todos nos resignamos perante esta magistral aldeia, que amamos e defendemos como de um membro nosso se tratasse. Amigos e colegas de infância, como recordo com grande saudade as brincadeiras infantis, no recreio da escola. Como sinto a falta da sueca, das quatro simpáticas velhotas, a minha avó Delmina, a tia Miquelina, a tia Olinda e a tia Quitéria, as quatro resistentes, nas tardes soalheiras, das suas refilices, quando perdiam ou alguma batota acontecia. Dos bailaricos semanais ao som do gira discos, que o meu pai me ofereceu, único instrumento musical na altura existente, na terra. Muitas e muitas recordações que o tempo vai atenuando, mas a lembrança vai ficando e roendo a memória. E agora, um grande agradecimento a todos quantos contribuíram para regenerar tradições adormecidas e afincadamente fizeram renascer esta pacata terra a “PÓVOA”.
Fernanda Gonçalves

quinta-feira, fevereiro 02, 2006

Poemas à Nossa Senhora do Pranto

Para padroeira da Póvoa
outrora foi escolhida,
Nossa Senhora do Pranto,
nossa mãe querida.

Nossa Senhora do Pranto
foi colocada no altar,
para que quem a vai visitar,
lhe possa rezar e cantar.

As responsáveis pela capela
que aos sábados a vão arranjar,
com muito amor e carinho,
lindas flores lhe vão colocar.

O povo da Póvoa,
na capela em oração,
pede à Nossa Senhora do Pranto,
seu amor e protecção.

Este povo que sempre foi católico,
o terço vai rezar,
na capela reunido
Nossa Senhora do Pranto vai louvar.

A festa a realizar em Agosto
pelo povo desejada,
em honra de Nossa Senhora do Pranto
será realizada.

A Nossa Senhora do Pranto
o que vamos fazer,
coloca-la num andor
e no dia de festa o povo percorrer.

Alzira Gonçalinho Oliveira

quarta-feira, fevereiro 01, 2006

Um olhar sobre o nosso Património Arquitectónico Religioso

O comentário que faço relativamente à capela da Póvoa não tem base científica, embora da minha formação académica tenham feito parte, cinco anos consecutivos de estudo na área de História da Arte, quatro dos quais na Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa onde me licenciei, o que me trouxe alguns conhecimentos nesta matéria.
Após tentativas falhadas de encontrar alguma documentação escrita relativa a esta capela, decidi escrever sobre ela, procurando tratar o assunto de forma cautelosa, através de analogia deste templo com outros similares, através de conhecimentos adquiridos e ainda após uma leitura sobre o barroco em volumes de História da Arte.
No que diz respeito à Arquitectura Religiosa Barroca, são diversas as suas características, mas para este caso importa salientar as seguintes: exuberância decorativa ao nível da talha dourada, onde se articulam elementos como pequenas colunas, serafins e elementos vegetalistas, tectos normalmente em abóbada de berço pintados com cenas aéreas representando anjos e outros temas da religiosidade cristã.
Encontram-se neste templo os elementos atrás referenciados, donde penso tratar-se de um edifício barroco.
Um aspecto que queria salientar tem, a ver com a total falta de condições em que as pessoas participam nos actos religiosos, – a maioria são idosos – sobretudo se pensarmos nas baixas temperaturas que estamos a enfrentar. Penso que se trata de uma questão de respeito para com os familiares que lá temos, bem como todos os outros que igualmente o merecem.
Agora que se formou uma comissão de festas e esta, é interessada e dinâmica, -como o está a provar – talvez arranje através de qualquer estratégia, verba que permita instalar aquecimento na nossa capela!
Quanto a mim, estarei na disposição de colaborar.


A capela da Póvoa

Este imóvel poderá ser um dos inúmeros construídos no nosso país entre os séculos XVII e XVIII e que obedeciam às soluções arquitectónicas do estilo barroco. Num texto do recentemente falecido R. Padre Tomás faz-se referência à construção desta igreja que aponta para do séc. XVII no lugar onde teria existido a ermida de Santa Cruz.
O exterior é modesto sem quaisquer apontamentos decorativos. A fachada apresenta uma porta em arco de volta perfeita, uma pequena janela redonda, duas cruzes e pináculos piramidais rematados por pequenas esferas sendo estes dois últimos elementos típicos do maneirismo.
Quanto ao interior, este surpreendo-nos pela sua beleza. A planta é rectangular com abóbada de berço, onde se podem admirar belas representações barrocas de anjos e folhagens, assim como balaustrada a rematar a abóbada. Tradicionalmente as igrejas barrocas e não só, exibiam capelas laterais mas o que encontramos nesta capela, são dois altares laterais: o altar do Sagrado Coração de Jesus e o de Santa Bárbara. Aparece também o arco triunfal a separar o “corpo” da capela do altar-mor, no qual se pode observar uma pintura de motivos vegetalistas em toda a sua extensão. A meio de uma das paredes laterais, está um púlpito muito simples; mas o que realmente nos fascina é a talha dourada que ocupa a quase totalidade da parede do fundo. É uma talha belíssima onde harmoniosamente se articulam folhagens, anjos, serafins e outros elementos, com um nicho ao centro onde se encontra a padroeira da povoação -Nossa Senhora do Pranto. Sobre o altar-mor o tecto apresenta uma composição rebuscada no que diz respeito ao tratamento fisionómico das figuras e dos seus panejamentos e de outros elementos que compõem a composição.
Este templo embora de pequenas dimensões, é um edifício de interesse artístico pela ornamentação que possui.
Queria aproveitar a oportunidade para chamar a atenção sobre a necessidade de preservar este património, que é de todos nós e que apresenta já sinais de degradação sobretudo nos tectos em onde sobressaem nas juntas das tábuas alguns buracos.

Celeste Gonçalinho O. Duarte

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